Capítulo 5

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Dias depois Rick havia aprendido a lidar com Maurício. Existiam dias bons e dias ruins. Os ruins nunca se transformavam em bons, mas o inverso rapidamente acontecia se ele pisasse na bola. Nos bons até ganhava presente, como aconteceu naquele dia, o mesmo em que ganhou o primeiro corretivo:

— Eu trouxe um presente para você! — Um sorriso rasgava o rosto de Maurício enquanto as mãos exibiam um embrulho preto com um laço vermelho.

O pacote peludo tinha olhos arregalados. "Será que a fita está enforcando o bicho ou ele é feio assim mesmo?". Maurício o soltou sobre a cama e Rick se afastou, horrorizado.

— Chama isso de presente?! Ele parece saído do inferno! Isso deve estar cheio de crecas, tem buracos no pelo dele! Tire isso daqui! — Como se a antipatia fosse mútua Rick foi cumprimentado com uma mordida no dedão. — Ai! Seu filhote de cruz credo!
— Seu mal agradecido! — O furacão Maurício chegou com tudo, desferindo uma bofetada que fez a cabeça de Rick girar a 90 graus. — "Isso" é uma menina e eu já cuidei da sarna. Eu a trouxe pra te fazer companhia e pra dar a ela um lar! Ela não é feia, só está mal tratada e eu espero que você cuide muito bem dela! — Fumegando, Maurício saiu do quarto batendo a porta e deixando tanto Rick quanto o animal assustados.

Ao sentir um leve movimento na cama Rick olhou para baixo e se deparou com aqueles olhos verdes que começou a amar, não porque Mauricio exigiu, mas porque percebeu que o animal era tão prisioneiro quanto ele. Outro pobre coitado.

— Venha cá, presidiária. — Sem esperar novo convite o animal se aninhou em seu colo. — Vamos fazer novos planos pra derrotar o mal encarnado? Eu poderia distrair ele enquanto você vai de mansinho como só vocês sabem fazer e rouba as chaves, que tal? — Presidiária ronronou em concordância.

Os planos de fuga mirabolantes começaram quando Rick se viu ficando louco com a situação. Ele chegou até mesmo a se imaginar abrindo as algemas com um pedaço de unha e dando uma voadora no homem antes de quebrar o seu pescoço usando as pernas. Riu de si mesmo ao lembrar que não era MacGyver nem Jackie Chan.

Após ganhar um violão – seu segundo presente – tais planos se tornaram um pouco mais plausíveis. Era o primeiro objeto com potencial para ser usado como arma a que tinha acesso, e rapidamente se imaginou quebrando o instrumento na cabeça do barba perfeita até deixá-lo inconsciente. Sentia pena do instrumento, mas não havia outro jeito, era ele ou o violão.

O Problema é que não adiantava fazer o homem de saco de pancadas e ficar preso àquela cama esperando a retaliação. "Eu tenho que conquistar a confiança dele". E assim o fez.

Começou a esconder de Maurício o desagrado por estar ali e passou a ser amistoso e demonstrar interesse na vida dele. Quão grande não foi sua surpresa ao ouvir a voz melodiosa do sequestrador cantando a música Eduardo e Mônica enquanto ele dedilhava no violão?!

— Você já pensou em ser cantor?
— Cantor não, isso é apenas um hobby pra mim, mas já pensei em ser pianista. Eu gosto de música clássica.
— Curte rock e música clássica?!
— Eu sou eclético. Você também deveria ser. O seu pai iria gostar disso. — O sorriso de lado fez Rick ficar com a pulga atrás da orelha.
— Você o conhece?
— Isso não vem ao caso. — O tom de voz dizia que a conversa não deveria ir por ali, então Rick decidiu ignorar, por hora.
— Se gosta de piano, porque não toca? — Após um suspiro Maurício respondeu com tristeza na voz:
— Porque alguém me disse que eu não tenho talento. — Rick não perdeu a oportunidade de demonstrar empatia.
— Quem foi esse idiota?! Você não deveria acreditar nele!

O comentário tirou de Maurício uma risada tão profusa que deixou Rick desconcertado. Recuperando o fôlego o homem disparou:

— Bem idiota, né? Você deve estar familiarizado com gente assim. Me diga, quantas vezes ouviu que não é bom na guitarra? Você acreditou nisso? Por ser seu amigo eu vou te falar a verdade, como guitarrista você não chega nem aos pés do Fael, mas dá pro gasto. Já a sua voz é inigualável.

Desconfortável, Rick baixou os olhos para o violão e pediu a Maurício que cantasse algo do Legião Urbana, mas ele preferiu tocar enquanto Rick cantava Nada além de mim, dos The Guys. Descobriu que o homem também se virava bem com um violão. "Ele seria uma boa aquisição pra banda se pudessem apertar os parafusos".

— Eu sei que a música é da sua banda, mas o que você acha dela de verdade?
— É boa. — Rick deixou o olhar vagar pelo quarto.
— Só isso? — Maurício riu. — Eu acho ela perfeita! Será que você não gosta porque é uma composição do Matt? Você não gosta dele, né?
— É ele quem não gosta de mim! — Se colocou na defensiva. — Ele me inveja por ser o vocalista. Sempre temos a mesma discussão porque ele insiste que deveria gravar algumas das nossas músicas. O problema — Rick se aproximou e comentou em tom de segredo. — é que quando ele canta parece uma gralha com prisão de ventre.

O comentário fez Maurício gargalhar porque concordava totalmente com aquilo. O baixista era bom no seu instrumento e deveria se manter somente lá.

A contragosto Rick admitiu que algumas composições do Matt são incríveis, mas fez questão de frisar que muitas eram tão horríveis que só serviam para alimentar a lixeira. E que cada vez que eles se recusavam a gravar uma o homem ficava possesso.

Maurício mantinha nos lábios um sorriso presunçoso. Era como se estivesse orgulhoso, o que não fazia sentido, porém Rick sabia que não deveria procurar sentido em uma cabeça desmiolada.

— Como você tem se comportado bem eu vou bonzinho e te permitir tomar o tão sonhado banho amanhã. Não apenas pra atender ao seu pedido, mas também porque você tá fedendo! Sério!
— Valeu. E mantenha em mente que eu estou fedendo por sua culpa. Geralmente eu sou bem cheiroso. — Rick brincou para esconder a emoção. Sua oportunidade de escapar enfim batia à sua porta.

Passou o resto do dia compondo animadamente. Aquela música marcaria a sua volta aos palcos e à liberdade.

***

— Bom dia! Tome o seu café enquanto eu guardo esses produtos no banheiro. — Maurício parecia feliz. Rick também estava. Ele comia enquanto recapitulava o plano. — Eu também trouxe roupas e um hidratante pra ajudar a evitar feridas. Você tem que mudar sempre de posição na cam...

Repentinamente a voz do homem adquiriu ecos, o quarto ficou desfocado e o copo que Rick segurava se duplicou. Ele tentou agarrar o outro com a outra mão enquanto as pálpebras se tornavam pesadas. Uma lâmpada iluminou sua massa cinzenta e ele entendeu o que estava acontecendo. "Ele fez de novo".

— Não se preocupe, é só um calmante. É bem forte, mas não vai lhe fazer mal, assim espero... "Porque o idiota está sorrindo? Ele parece aquela hiena louca de O rei leão" — ...Você quer tomar banho não quer? Essa é a única maneira de conseguir um. Eu não sou bobo, sei o que você estava planejando.

"O que eu estava planejando mesmo?". Ao ouvir um clique e sentir os pulsos livres lembrou que deveria dar um soco em Maurício. Olhou absorto para uma das mãos. "Como se dá um soco em alguém?"

— Vamos. Me ajude, você é pesado. Levante!

Rick franziu o cenho ao notar que suas roupas haviam sumido como em um passe de mágica. De forma torpe caminhou até o banheiro amparado por Maurício. "Será que devo gritar por socorro? Não, acho que posso fazer isso mesmo com as algemas". Caiu em uma banheira e bateu a cabeça na parede. Aquilo doeu. Tentou levar a mão até o cabelo emplastrado.

Pense! Gritava o seu subconsciente. "Pensar pra quê?" Desamparado, Rick se deu conta de que pensar era um desperdício de energia quando o corpo não obedecia às ordens.

Sem querer Rick balbuciou: — Eles vão me encontrar.

Adormeceu imerso em água quente quando Maurício começou a lavar o seu longo cabelo.

— Melhor?

Rick olhou para os pulsos novamente algemados e achou que melhor era uma palavra muito forte para a situação.

— Espero que esteja, porque você me deu a confirmação de que "planejava quebrar a minha cara com o violão" palavras suas. Você fala bastante quando está drogado, é divertido. — Maurício sorriu maliciosamente. — Eu estava ansioso pra começar a te educar. Lembre de que punição faz parte da educação.

"Eles vão me encontrar". Rick tentou acalmar a si mesmo enquanto olhava para os instrumentos de tortura nas mãos do carrasco.

Perigosa fama(COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora