Capítulo 7

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Rick finalizou a composição e ficou orgulhoso dela, ela não devia nada as de Fael. A ideia de que seria uma música alegre para marcar a sua volta à vida normal foi substituída. A música refletia o atual humor taciturno do compositor.

Deixou o violão de lado e deitou com dificuldade. Escreveria a letra depois, naquele momento estava dolorido e a sede consumia as suas forças. 

A cantoria rouca de Alfredo – o galo que ele ouvia diariamente – lhe dizia que era o segundo dia sem comer ou beber.

Seu corpo se esforçava para expulsar os agentes nocivos usando cada vez menos água. "Pelo menos ele ainda limpa todo dia o potinho feliz, porque, pelo santo das águas perdidas, eu estou lutando contra a tentação de devolver ao interior o que sai".

Ouviu a porta sendo aberta e apesar do tremor não desviou a atenção. Tentava com afinco lembrar das respostas que deveria dar.

Batendo a vara de madeira contra a palma da mão Maurício perguntou:

— Porque você levou uma surra?
— Por pensar em fugir.
— De quem?
— De quem cuida de mim! — completou mais rápido que o flash ao ver a madeira inimiga se aproximar do seu corpo. 
— Vejo que está aprendendo. Por ter um coração mole não resisti e trouxe água pra você.

O homem ofereceu um copo com o líquido fundamental, que Rick bebeu avidamente. 

— Vá com calma, amigo. Seu estômago está vazio e se você vomitar vai dormir sobre o vômito, porque eu é que não vou limpar. Meu coração não é tão mole assim.

Sabendo que seu organismo precisava de cada gota contida naquele copo Rick se obrigou a beber devagar. Estava mesmo com náusea.

— Eu entendo que você se sinta sozinho e entediado aqui, por isso é difícil te castigar, mas como eu disse, punição faz parte da educação.
— Porque seu pai fazia isso com você não quer dizer que era certo.
— Ele me ensinou a cuidar de mim mesmo. Ele sabia que sem ele eu estaria sozinho no mundo. Assim como você.
— Eu não estou sozinho. Eu tenho a minha banda.

Rick sabia que era melhor para si mesmo permanecer calado. Até rememorou a frase dos filmes policiais americanos: "Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser será usado contra você". Mas a razão nem sempre supera a emoção e Rick sentia raiva, ela nunca foi a melhor conselheira.

— Sério?! Você acha que Bruno e Matt estão preocupados com você?
— No mínimo eles precisam de mim e eu sei que pelo menos o Fael está preocupado.
— Fael... Você gosta muito dele, né? Eu sempre tive curiosidade em saber sobre essa amizade colorida.
— Nossa amizade não é colorida.
— É claro que não. — Maurício colocou o instrumento de tortura sobre a mesa, deixando Rick aliviado, e puxou um smartphone do bolso da calça jeans justa. — E se eu te dissesse que o Fael está vivendo a vida dele sem se preocupar com você? Que a "sua banda" — Fez aspas no ar e exibia um sorriso satisfeito. — está tocando sem você?
— Eu não acreditaria em você.

Com um suspiro teatral o homem exibiu um vídeo. — Tudo bem, São Tomé, eu queria te poupar, mas parece que você precisa ver pra crer.

Horas depois as palavras de Matt ainda ecoavam nos ouvidos de Rick:

... infelizmente o Rick está passando por alguns problemas de saúde... Temos músicas novas!

Ver The Guys tocando sem ele foi como receber uma facada no peito. Em seguida Fael girou a faca ao compactuar com aquilo.

Relembrou uma conversa entre eles no dia em que foi sequestrado. "Como pude esquecer aquilo?"

— Seu filho da mãe, você tá bêbado!
— É claro que não, eu só tô... um pouquinho alto. 
— Ricardo, não podemos nos dar ao luxo de ter um vocalista bêbado!
— Eu já disse que não tô bêbado, Rafael! Porque você não me deixa em paz e faz algo útil, como me trazer um café?!
— Eu não sou seu empregado! — Exasperou Fael. 
— Não, mas vocês precisam de mim lá em cima e no momento eu preciso de um café pra conseguir subir lá. — Ergueu uma sobrancelha provocativa.
— Não se engane, Ricardo, você não é insubstituível. — Virou as costas e partiu, pela primeira vez deixando Rick se virar sozinho.

... "Você não é insubstituível". As palavras eram como espinhos afiados penetrando em sua pele. "Precisava me substituir logo pelo invejoso desprovido de talento?"

A realização de que as palavras de Maurício eram verdadeiras o acertaram como um chute no saco: "Você está sozinho".

— Você tem razão, Maurício. Nem o Fael se preocupa comigo. Ele preferiu mentir a denunciar o meu desaparecimento. E se a polícia não está me procurando, quem vai me salvar?

Era uma pergunta retórica. Rick nem precisava responder a si mesmo. Ele sabia que ninguém viria por ele.

— Vá se ferrar, Rafael! Você e a sua guitarra de ouro. Eu não preciso de você! —Repetiu isso em voz alta incontáveis vezes na esperança de acreditar.

Em mais de duas semanas ele não teve nenhuma chance de tentar fugir. Como sairia daquele lugar? O medo pelo seu destino se somou à dor da traição de Fael e foi demais para ele. Aquele foi o primeiro dia em que Rick se entregou ao desespero e deixou as lágrimas saírem. 

Perigosa fama(COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora