— Eu não vou tocar! — esbravejou Fael, cerrando os punhos.
— Como assim não vai tocar?! Nós não podemos tocar sem os dois guitarristas!
— Não diga!
— Qual é, Fael?! Nós ralamos pra caramba pra chegar aonde estamos e agora você quer desistir?! — exclamou Bruno.
— Qual é o problema de vocês?! Faz uma semana que o Rick sumiu e vocês não estão nem aí!
— Nós também estamos preocupados, Fael. No início eu pensei que ele estava se fazendo de difícil, o que seria bem a cara dele...
— Ele nunca fez isso, Eduardo! Ele ama a banda e não iria abandonar tudo assim!
— Eu sei. Eu já não tenho mais tanta certeza de que ele tenha feito isso, mas como empresário eu não posso permitir que mais contratos sejam cancelados. Nós temos que cumprir nossos compromissos ou vamos ficar atolados em dívidas e sujar o nome do grupo.
— Se admitirmos que ele está desaparecido não vamos sujar o nome a banda pelos cancelamentos e as pessoas podem nos ajudar com informações.
— Vamos fazer assim: Fazemos o show em Salvador e, se até começarmos a turnê ele não aparecer, divulgamos o desaparecimento.
— Vocês são nojentos. — Fael saiu da reunião contrariado, mas era voto vencido.***
Apesar de estar fazendo isso por não ter escolha Fael sentia-se um traidor ao ensaiar sem Rick e com Matt no vocal.
Após uma tarde inteira de ensaios com as músicas que já tinham Matt mostrou novas músicas que havia escrito. Algumas eram boas, outras nem tanto, mas a quantidade era surpreendente.
— Quando você escreveu isso?
— Há um tempinho. A maioria ainda não está pronta, mas eu concluí duas nos últimos dias. Talvez com músicas novas as pessoas não notem tanto a ausência do Ricardo.
— Uma música não substitui um músico.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— É claro que eu entendi. Eu só espero que você se lembre de que esse arranjo é apenas temporário. — O olhar que Fael dirigiu a Matt era rígido.Fael seguiu para Salvador um dia antes da banda, pois queria falar com o pai de Rick. Apesar de improvável, mantinha a esperança de que ele soubesse do paradeiro do filho. Esperava que ele ainda morasse na mesma casa que tanto frequentou durante o ensino médio.
Foi bem recebido pelo senhor Anselmo Duarte, apesar da surpresa do homem ao vê-lo. Não entendia como Rick e o pai puderam se afastar tanto nos últimos anos. Eles não tinham o melhor relacionamento durante a adolescência de Rick, mas Fael não imaginava que acabariam cortando totalmente o contato.
Lembrava-se das discussões entre os dois porque o senhor Anselmo não aceitava que Rick se tornasse um roqueiro. Ele queria que o filho estudasse música clássica, assim como ele, que dava aulas de música na universidade federal e fazia concertos esporádicos.
Sabia que Rick guardava mágoa de seu pai por cada recusa dele em vê-lo tocar com a antiga banda que tinham, ridiculamente chamada de Gatos Molhados.
Sentado no sofá enquanto o homem buscava um copo de suco Fael se perguntava se a idade dera a ele apenas novas rugas ao redor dos olhos e da boca ou se também dera um pouco mais de maturidade. Rick também era imaturo, mas tinha apenas vinte anos quando ouviu do pai que cantava bem, mas que isso era apenas um dom oferecido por Deus e não mérito próprio. Foi após aquela discussão que decidiram partir para São Paulo na esperança de ter mais sorte no rock.
A nova banda deslanchou, mas Rick seguiu tentando mostrar ao pai que podia ser um excelente guitarrista. Não alcançar o nível desejado o frustrou profundamente. Fael percebia que o seu próprio talento na guitarra causava inveja no amigo, mas nunca teve raiva dele por isso e sempre soube que Rick jamais tentaria prejudicá-lo. O único a quem ele causava mal era a si próprio, desde que passou a usar o álcool para fugir das frustrações.
— Ele não apareceu por aqui. Deve estar fazendo farra por aí... — Anselmo puxava um fio inexistente do braço do sofá. — Vocês procuraram a polícia?
— Claro. — Fael achou melhor não mencionar que não tornaram público o desaparecimento.Apesar da crítica velada a preocupação de Anselmo era visível, o que deu a Fael coragem para afirmar:
— A cada vez que tocávamos em um bar o Rick ficava te procurando na platéia.
— Porque você está me dizendo isso agora?
— Só pra você saber. Um dos dois deveria dar o primeiro passo pra uma reconciliação.
— Manterei isso em mente. — Anselmo levantou do sofá, dando por encerrada a conversa. — Se possível me avise quando ele aparecer.***
Enquanto afinavam os instrumentos Fael sentia-se cada vez mais incomodado. Por um lado entendia a animação de Matt, por outro sentia repulsa pela alegria dele em ocupar o lugar de Rick sem saber o que ele poderia estar passando.
Nos bastidores o alvoroço que sempre o animou passava despercebido. Via os técnicos de som e iluminação correndo de um lado para o outro. Sentia toda a vibração de um grande show. Sabia que estaria muito satisfeito se Rick estivesse ali. Embora ele estivesse mal-humorado e sempre com um copo de vodka nas mãos desde que tomou um humilhante fora da namorada, ainda era seu melhor amigo.
Coberto de preto dos pés à cabeça Fael pisou no palco onde uma multidão os esperava agitando lanternas e gritando The Guys. Caminhou pelo espaço mal-iluminado até um dos microfones e passou pelo pescoço a faixa da sua guitarra.
Quando os refletores os iluminaram assovios ensurdecedores eclodiram no Parque de Exposições. Não era o primeiro show que faziam em Salvador, mas era o primeiro que faziam para tantas pessoas. Triunfar na cidade natal de ambos sem o amigo ao lado fazia a ausência dele doer ainda mais.
— Boa noite, galera!
Em meio aos gritos, assovios e aplausos Fael não conseguia dizer se a multidão estranhou que Matt estivesse ao microfone e não Rick.
— Boa noite, Salvador. É muito bom estar aqui com vocês — cumprimentou os fãs tentando passar uma alegria que não sentia.
— Talvez vocês não tenham percebido, mas o Rick não pode estar aqui com a gente hoje. — Vaias soaram após o anúncio de Matt. — Sabemos que vocês estão decepcionados, mas infelizmente ele está passando por alguns problemas de saúde e precisando de cuidados. Por respeito a vocês não cancelamos o show dessa noite. Nós não queríamos e não vamos desapontar vocês. — Ele encerrou o tom solene e gritou com animação: — Temos músicas novas! — Algumas vaias continuaram, outras foram substituídas por gritos eufóricos.Bruno começou a tocar, seguido por Matt e Fael não teve alternativa além de acompanhar os dois.
Decidiram começar com uma música nova, a qual o público aprovou, e deixar a outra para o encerramento. Os deslizes de Matt não passavam despercebidos aos ouvidos treinados de Fael, mas pareciam passar pelos ouvidos do público.
Já haviam tocado várias músicas e Fael já suava. Em um dia normal àquela altura do show ele estaria totalmente inebriado pelo sucesso da noite. Não haveria nada melhor do que estar ali. Entretanto, naquele dia não era boa a emoção que sentia ao tocar uma guitarra de ouro.
Fael parou no meio do solo e pegou o microfone.
— Me desculpem. Eu sei que não estou dando o meu melhor hoje pra vocês e sinto muito por isso, mas eu tenho um motivo pra não conseguir e deveria ter admitido a verdade desde o início.
— Fael, pare com isso! — rosnou Matt em seu ouvido, mas foi empurrado por ele.
— O Rick não está fazendo tratamento de saúde, ao menos não que a gente saiba. O que sabemos é que ele desapareceu depois de um show em São Paulo há duas semanas. A polícia ainda não tem notícias dele e eu queria a ajuda de vocês com qualquer informação. Se vocês pudessem divulgar a notícia nas suas redes sociais também seria de grande ajuda. Viemos tocar em respeito a vocês, mas estamos muito preocupados com o bem-estar dele.
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Perigosa fama(COMPLETO)
Mistério / SuspenseSer famoso é o desejo de muita gente e com os amigos Rick e Fael não é diferente. Os rapazes deixaram sua cidade natal em busca de um sonho em comum: Se tornar astros do rock. Anos depois a sorte brilhou para eles e a banda The guys se tornou um su...