O ambiente estava claustrofóbico. Imerso na escuridão e no silêncio aquele quarto não parecia abrigar dois seres vivos. Minutos antes Rick sentiu o peito ser comprimido ao observar a lâmpada piscando loucamente.
Sua prece não foi atendida e a lâmpada se apagou, deixando-o submerso no breu. Apesar do amplo espaço ao redor ele sentia como se as paredes estivessem muito perto e o teto sobre si a apenas alguns centímetros do seu nariz. A sensação era a de estar enterrado vivo.
Uma lambida áspera no queixo lhe devolveu à realidade.
— Ei, presidiária, não estamos enterrados, né? — Coçou a orelha do bichano e ganhou um ronronar em agradecimento. — Tudo bem, não se preocupe, gatinha. Eu ainda não sei como, mas vou tirar a gente daqui.
Dias após assistir aquele vídeo ainda não tinha conseguido encontrar uma oportunidade de fugir. Aprendeu a duras penas que Maurício nunca confiou nele. Tão somente tinha sido tolo o suficiente para subestimar o homem. Ao menos a "paz" voltou a reinar entre eles.
Embora tenha voltado a receber água e comida sentia-se fraco. As refeições eram em quantidade insuficiente e possuíam pouca proteína. Sabia que Maurício não dava ponto sem nó e fazia isso para enfraquecê-lo, ele estava sendo bem-sucedido. Comendo pouco e estando impossibilitado de malhar Rick observava pouco a pouco os seus músculos definharem.
Maurício era um homem grande e, do jeito que ia, em breve Rick seria incapaz de lidar com ele em uma luta corporal. A falta de sol também estava cobrando o seu preço, Rick se imaginava branco como um vampiro e com certeza se sentia mais morto do que vivo.
Desanimado, tentou pensar em algo para se distrair dos pensamentos sombrios. Subitamente se lembrou de uma brincadeira que seu pai fazia. Ele fazia paródias ou criava músicas escondendo pistas nelas. Criou um livro código e também usava outros já existentes. Rick tinha que desvendar as pistas para encontrar os presentes de natal e aniversário ou ovos de páscoa. A brincadeira tornava muito divertidas as festas de aniversário dele e dos amigos.
Resolveu tentar criar uma letra pedindo ajuda. Sabia que não havia como mostrar a música a seu pai – e mesmo que tivesse como, provavelmente ele não iria se importar – mas funcionava como distração naquele escuro agourento.
Pensou em tudo o que sabia sobre Maurício e o lugar onde estava, o que não era muito.
Pista 1 - Sabia o nome do barba perfeita. Nunca conseguira extrair dele mais informações pessoais, apesar de ter tentado muito.
Pista 2 - Fora sequestrado na cidade de São Paulo, por isso acreditava ainda estar no estado. Não acreditava que Maurício se arriscaria a ser pego em uma blitz carregando um homem inconsciente.
Pista 3 – Diariamente ouvia a cantoria de Alfredo, às vezes também ouvia vacas mugindo, o que lhe dizia que estava em um sítio ou fazenda. Quando perguntou a Maurício sobre os animais ouviu que eram do vizinho. O tom seco lhe disse o que as palavras não disseram: Não deveria perguntar novamente sobre aquilo. Naquele dia Rick quase rompeu um aneurisma de tanto gritar pedindo socorro, mas nunca foi ouvido, ou simplesmente foi ignorado.
Pista 4 - Sabia que Maurício não trabalhava todos os dias, mas quando o fazia chegava tarde, o que talvez indicasse que a cidade ficava a umas 4 ou 5 horas de distancia.
Com as ridículas pistas enumeradas na cabeça se esforçou ao máximo para relembrar alguns dos códigos que seu pai criou. Os animais mais comuns receberam nomes de artistas, alguns objetos ou informações importantes receberam nomes de ruas famosas ao redor do mundo, algumas profissões receberam nomes de escritores e as letras tinham um código numérico, que ele não poderia usar porque, embora Maurício não pudesse decodificar, perceberia que era um código. Tudo não passava de uma brincadeira, mas como um bom prisioneiro Rick sabia que não deveria irritar o carcereiro, principalmente um instável.
Algum tempo depois um milagre aconteceu durante uma conversa com Maurício.
— Quero você pra mim. — É linda, Maurício! De quem é? — Rick indagou após encerrar a canção.
— Por enquanto é minha, mas vou vender. Sempre vendo.
— Eu não sabia que você também compõe. Você é conhecido? Pra quem você já compôs?
— Calma aí! — A risada de Maurício era descontraída. — Eu já compus várias músicas que fizeram sucesso, mas meu nome não é conhecido. Eu prefiro assim e cobro pra permitir que outros assumam a autoria delas. Tem muita gente desonesta por aí, sabia?
— Imagino. Eu escrevi uma, mas não tenho a letra ainda. Você quer ouvir? — Rick estava descobrindo que tinha talento para ser ator, fingir timidez não foi tão difícil.
— Claro!
Pegou novamente o violão e começou a dedilhar a canção que compôs dias antes.
— Está maravilhosa, Rick. Vê? Às vezes um passarinho canta melhor na gaiola.
— Eu nunca prendi pássaros, eles pertencem ao céu. — Rick manteve a voz sob controle, ocultando a raiva que sentia e voltou ao assunto inicial. — Você gostou mesmo da música?
— Está brincando?! Eu adorei!
— Quando eu tiver a letra você pode vender.
— Porque você iria querer isso? — Os olhos cerrados mostravam que deveria ser cuidadoso. Apesar de sempre dizer a Rick o quanto o apreciava, Maurício nunca hesitava em puni-lo com espancamentos ou deixando-o sem água e comida.
— Porque eu gostaria de saber que a minha melhor música tá sendo tocada por aí, mesmo que não seja por mim. — A tristeza que sentia não era de todo encenada.
Após analisar Rick por tanto tempo que o fez suar, Maurício sorriu amplamente e afirmou:
— Quando você tiver a letra me avise. Eu sei exatamente quem deve cantar a sua música.
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Perigosa fama(COMPLETO)
Mistério / SuspenseSer famoso é o desejo de muita gente e com os amigos Rick e Fael não é diferente. Os rapazes deixaram sua cidade natal em busca de um sonho em comum: Se tornar astros do rock. Anos depois a sorte brilhou para eles e a banda The guys se tornou um su...