1ㅡUm Gatinho

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   Voltei para a minha casa. Minha mãe estava acostumada com eu voltando aquela hora, então nem se preocupava mais com o horário. Ela sabia o que eu fazia durante esse tempo. Eu precisava de espaço.

   Subi as escadas, indo em direção ao meu quarto. Larguei minha mochila aos pés da cama, pegando um roupão de banho, e me direcionei para o banheiro exclusivo do meu quarto.

   Tirei minha roupa e coloquei o roupão, depois abri a torneira e esperei com que a banheira se enchesse, enquanto comecei a pensar.

   Suspiro, um pouco avoada. Sei que não adianta de nada ler livros ao lado do túmulo de papai. Sei que ele não está lá, então por que eu insisto nisso?

   Minha mãe havia se casado com Marcos apenas por dinheiro. Ele tem um trabalho relativamente bom. Minha mãe consegue extorquir todo o dinheiro dele. Ela é doente. Eles são doentes. Marcos começou a agredí-la constantemente, e para "comprá-la", ele dava quase que o seu salário todo para minha mãe se embelezar.

   Já tentei entrar em contato com a polícia, mas ele ameaçou tanto à mim quanto à minha mãe de morte. Por mais que eu sinta que eu não a amo, ela continua sendo minha mãe, e mesmo que eu não queira, eu me importo com ela.

   A água já estava na metade da banheira, quando resolvi fechar a torneira e entrar na mesma.

   Pego meu celular que estava no chão e pesquiso livros futuros no qual meu pai provavelmente iria gostar.

Depois de um tempo, percebo que a àgua está esfriando e decido sair da banheira. Esvazio ela e saio em direção ao closet.

   Peguei apenas uma calcinha, uma camisa larga de mangas compridas e um shorts de pano, pronta para descer e comer alguma coisa.

   Abri a porta, me certificando de trancá-la logo após sair. Não que seja necessário, já que ninguém se importa de entrar.

   Desci as escadas e ouvi uma conversa, mas não dei muita atenção.
Peguei meu celular e comecei a escutar Autonomia, de Supercombo, a minha banda preferida. Coloquei meus fones e fui fazer um sanduíche, e o coloquei pra esquentar, enquanto cantarolava baixinho.

ㅡPoderia cantar um pouco mais baixo?ㅡMinha mãe aparece na porta da cozinha, mas seu pequeno sorriso demonstrava que ela havia gostado.

ㅡClaro...ㅡabaixo um pouco o volume ㅡ Onde está Marcos?

ㅡEle vai chegar um pouco mais tarde hoje, reunião. Foi o que acabou de me dizer pelo telefone.ㅡaponta para o celular em sua mão, e logo o guarda no bolso do short.

ㅡAh...ㅡcomeço a sentir um cheiro de queimado. Meu sanduíche.ㅡMerda!

   Minha mãe me olha assustada quando eu corro para tirar meu pão da misteira. Droga! Meu pão que até a pouco tempo estava branquinho, agora estava todo preto. Mundo, o que você tem contra mim? Eu só queria comer, poxa!

ㅡSe quiser eu faço outro.ㅡMinha mãe disse, pegando o "sanduíche" e colocando no cesto de lixo.

ㅡNão precisa...ㅡPego uma maçã e subo as escadas, antes que ela proteste.

   Faço minha tarefa de casa e me deito sem sono algum, com a barriga roncando.

¤

   Acordo na manhã seguinte e me levanto depois de um tempo espreguiçando, lavo o meu rosto, tomo banho, visto uma calça preta com os bolsos rasgados, uma blusa rosa-flamingo, meus amados All Stars brancos, um livro e meu celular.

   Pego uma vasilha de plástico pequena, leite e cereal. Começo a comer e leio algumas páginas de Perdida, da Carina Rissi. Era interessante como ela pode ter voltado no tempo, vivendo séculos passados. Queria que minha vida fosse assim também...Romântica. Quem sabe algum dia eu ache meu parceiro, mesmo me achando nova demais para isso.

   Minha mãe desceu correndo quando escutou a porta da sala se abrindo, e me avisou:

ㅡFilha, hoje os amigos do Marcos vão vir para cá, além de nossos parentes...Quero que você volte para a casa assim que sair da escola, promete que volta? ㅡMesmo parecendo um pedido, sua voz era autoritária, me dando um arrepio.

ㅡEstá bem, eu volto...Mas mesmo assim vou demorar um pouco. Tenho que ler o próximo capítulo. ㅡDigo, com um sorriso tristonho.

ㅡTá... Tchau! Não vá se atrasar. ㅡEla me abraçou rápido e subiu as escadas novamente.

    Vou em direção àquela escola caindo aos pedaços.

   Entro na sala, e me sento perto da parede, no meio. Pego meu livro de ciências de dentro da mochila e o coloco em cima da mesa, esperando a professora chegar. A professora, que na minha opinião é bem legal, entrou e começou a dar a matéria.

¤

Intervalo. Não me acho muito extrovertida. Tenho alguns poucos amigos, que logo acham seus grupos e me deixam sozinha.

   Vou na cantina, peço um sanduíche e um suco para a tia Mare. Ela me deu com um sorriso e agradeci, indo em direção ao pátio, me sentei em um banquinho e comecei a comer, ainda lendo o livro.

¤

   O sinal falando que as aulas havia acabado soa, e os adolescentes apressados saem da sala de aula, prontos para cuidarem de suas vidas insignificantes.

   Não quero irritar a minha mãe, então vou ficar só um pouco no cemitério. Entrei, me sentei no banco de madeira de eucalipto que ficava abaixo de uma árvore bem velha, mas bonita. pétalas brancas caiam das flores dela.

   Coloco meus fones no ouvido, apreciando por alguns minutos. Depois pauso a música e pego o livro que prometi que leria com meu pai e uma toalha. Coloco ao lado da lápide e abro o livro no segundo capítulo, lendo alto o suficiente para sua alma em paz poder escutar.

   Ouvi novamente algo entre as moitas, e com certeza não era vento, pois tudo estava parado, calmo. Me levanto lentamente, tentando emitir o mínimo de barulho possível, e abro um pequeno buraco na moita.

   Um gato!

Um gato preto com branco. As pessoas chamam os gatos com esse tipo de pelagem de "gatos-mascarados". Ele tinha olhos verdes hipnotizadores.

    Ele parecia bastante dócil, e começou a se esfregar em minha perna quando eu o achei. Ri e o peguei no colo. Comecei a conversar com ele, acariciando seus pêlos. Ele parecia prestar muita atenção para um animal como era.

   ㅡEntão gatinho, você tem algum nome?

Percebi que passei muito tempo lá. Peguei minha coisas apressadamente, e o gato pulou em mim. Eu o segurei antes que caísse.

   ㅡQuer ir para a minha casa agora?ㅡeu disse acariciando sua cabeça, ele miou como resposta.

O EstranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora