PRÓLOGO

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TUDO COMEÇA POR aqui, com ele na sacada, talvez me observando, talvez não. Não sei dizer. O cigarro queima devagarinho sobre os lábios dele, o brilho da ponta atiçando o olhar. Dá para ver tudo daqui, do outro lado da rua, cada gominho daquele peito sarado...

Já é fim da tarde, o dia foi cansativo. A brisa aqui em cima sopra mais morna, o silêncio vem sempre acompanhado. Todo entardecer é igual, eu aqui, ele lá. Um cigarro, um copo de Whisky... depende do momento. Ele está sempre debruçado, as tatuagens tribais contornando os bíceps, as veias saltando para fora dos músculos. Que cara gostoso. Dá para acreditar que ele é meu professor? Saímos na mesma hora, pegamos o mesmo trem, ficamos na mesma sala. Ele ensina biologia, e eu, claro, presto atenção em tudo. Porém as coisas ficaram mais estranhas nos últimos dias...

— Ana! — alguém me chamou, tirando-me do transe. — Vem, vamos jantar!

Dei mais uma olhadela, o céu ficou mais escuro de repente. Ele acendeu outro cigarro. Ainda relutante, fui para a sala de jantar, minha mãe preparara sopa. Sopa, no jantar? Mas que merda! Meu pai trabalhava a noite, policial, era costume jantar mais cedo.

— Como foi a aula hoje, filha? — meu pai soprou a sopa, já vestia a farda.

— Bom, foi um saco. Sempre é — puxei a cadeira para perto da mesa. — Tivemos prova de biologia hoje. Não estava tão difícil, na verdade, era sobre anatomia. — Coisa que gostaria de ser ensinada na prática pelo professor...

Meu pai assentiu, mais preocupado em não queimar a língua do que saber da minha vida.

— E você foi bem? — quem perguntou desta vez foi minha mãe, enchendo o prato com o caldo.

— Acho que sim — dei de ombros, era difícil saber se eu iria bem ou não. — Cadê o Bruno?

— Seu irmão tá naquele computador o dia inteiro — rosnou minha mãe. — Bruno! — chamou ela, lembrando-se dele. — Não vou chamar de novo!

Alguns momentos mais tarde, ele apareceu. Meu irmão não passava dos doze, típico adolescente chato, acho que passava o dia todo se masturbando dentro do quarto. Aquela ideia me enojava.

— Sopa? Sério? — Bruno desdenhou depois de um bocejo.

— Sim, o que que tem? — minha mãe ergueu o cenho.

— Não, nada não... — o adolescente torceu os lábios, despejou lentamente a gororoba no prato.

— O que fazia trancado no quarto? Você passou o dia todo lá! — minha mãe sugou o caldo.

— Trabalho de escola... — respondeu ele sem mais detalhes. A mulher torceu os lábios de novo, desconfiava que não era bem aquilo.

Enquanto isso, meus pensamentos iam para além... para ele. Senti o ar apertar o peito, o coração saltitar. Passei aquela cena na cabeça uma dezena de vezes, e depois mais uma centena. A piscada. Ele piscou para mim! Eu juro, não podia ser coisa da minha cabeça. Bom, ele vive piscando para os outros alunos... mas, sei lá, foi... diferente.

A ideia não saía da minha cabeça, uma simples piscadela antes de entregar a prova, dá para acreditar? Eu sou uma idiota, isso sim. Ele é muito mais velho que eu! Acorde, Ana Lúcia! Hello. Eron é um homem muito mais maduro, e você só uma tonta do terceiro ano. Você jamais chamaria a atenção de um cara desses. Cai na real, vai!

Quando percebi, meu pai já estava quase indo trabalhar, minha mãe fora para a cozinha lavar a louça, e meu irmão, claro, foi para o quarto. Eu, no entanto, fui para a sacada outra vez, na esperança de vê-lo de novo. Fiquei no celular por um tempo, até que o sono bateu. Por alguns momentos eu levantava os olhos para olhar a sacada lá na frente, mas só via a luz ligada, nada dele.

Suspirei fundo, repassei aquela piscada por outra e mais outra vez. Podia ver aqueles olhos verdes me fitando com desejo, os lábios mordendo os meus, a mão roçando nos meus seios... depois pelo sexo. Senti um calor lá embaixo, os dedos coçando para deslizar por debaixo do short. Mas desisti.

Não era saudável ter aquelas ideias na cabeça. Foco, Ana Lúcia, foco! Você precisa entrar numa faculdade ano que vem! Já era para lá da meia-noite quando liguei o Kindle, ler me distraia... mas não muito, pois gostava dos romances, e nos romances era sempre todo aquele desejo, aquela paixão que arde nos protagonistas.

Não seja idiota, Ana Lúcia. Vá dormir!

Respirei fundo, desliguei a tela, esfreguei os olhos, um tanto secos, depois os fechei. Adormeci.

Será Que é Desejo? (HISTÓRIA COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora