capítulo QUATRO

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TUDO ESTAVA GIRANDO como se fosse uma montanha-russa. Acordei com uma dor tão forte nas têmporas que mal consegui levantar. Senti a boca seca, grudenta, a luz pinicando os olhos. Me ergui devagar, as coxas doendo, os ombros também. Remexi o pescoço, o torcicolo me fisgou de jeito. Viu, Ana Lúcia? É no que dá beber e depois trepar num carro!

Dores, dores e mais dores... levantei ainda com os olhos meio fechados, tomei um banho, a água me ajudou a despertar.

— Vem tomar café, filha — disse minha mãe, a mesa arrumada, o aroma do pão fresco e da margarina logo de manhã. — Que horas você chegou ontem?

— Ah, acho que uma da manhã, por aí — menti, já passava das três quando cheguei, na verdade. — A Bárbara e uns amigos dela me deixaram aqui. Foi tranquilo.

— Dormiu bem? — ela pareceu notar a cara inchada, os olhos recolhidos e os lábios murchos.

— Não, na verdade não — respondi. — Já tive noites de sono melhores.

Eu e minha mãe éramos as únicas acordadas logo cedo, pois meu pai agora dormia e meu irmão também. Bruno estudava no período da tarde, faz pouco tempo, aliás, depois que suas notas baixaram, culpando-as pelo sono, disse que melhoraria se o transferissem de turno.

Não fosse a dor de cabeça e a sede crônica, aquele seria mais um dia normal. Vi o professor Eron novamente, e desta vez não houve piscadela, nem olhares. Ele mal parecia perceber que eu estava lá, há poucos bancos de distância. Ele parecia focado, na verdade, mas não sabia em quê. Eu, no entanto, fiquei o encarando, disfarçando de tempos em tempos, admirando os músculos apertados na polo, os cabelos compridos, desgrenhados, e é claro, aqueles olhos de tigre... prontos para o abate.

Na escola, desta vez, Bárbara me recebeu um pouco mais cabisbaixa, as têmporas estourando também por causa da noite passada.

— E então — perguntou ela. — Você ficou com o Guilherme, né?

Segurei um riso, assenti logo em seguida. Bárbara riu.

— E você? — indaguei.

Eu? Ah, eu fiquei dançando lá, depois saí com o Matheus.

— Rolou?

— E você acha que não? Com um cara gato daqueles?

— Vocês... transaram? — sussurrei.

Bárbara olhou para os lados, mas negou.

— Foi só um boquete. E quanto a você e o Guilherme?

Eu não respondi nada, e ela entendeu o meu silêncio.

— Caramba! — ela não conteve a expressão de surpresa. — Vocês transaram! — e então tapou a boca com as mãos. — Caramba, amiga, mas você tá com fogo, heim?

Se estava realmente com fogo eu não sabia, mas pude sentir as bochechas queimando àquela hora. Subimos a escadaria como fazíamos todos os dias, mudamos de assunto conforme mais pessoas se aproximavam de nós.

Não tivemos biologia desta vez, mas recebi uma ótima notícia. Era quase julho, seria o início das férias, e minha mãe disse que eu poderia ir à praia, ver a Emily, minha prima, curtir na beira do oceano; sentir a areia nos dedos, a brisa nos cabelos... aquele lugar era o paraíso.

Cheguei em casa cansada, as dores diminuíram um pouco desde então. Agora só conseguia pensar na praia... e no Eron. Te vejo na sacada, Ana. Aquilo ainda corria a minha mente, e não pude resistir de esperá-lo lá outra vez.

Levou-se algum tempo para que eu visse algo do outro lado da rua, uma movimentação estranha. Era ele, meu professor, mas ele não parecia sozinho. A vidraça estava aberta, as cortinas esvoaçando. Conseguia ver tudo dali.

Já estava escuro, não consegui distinguir a silhueta da outra mulher, só tinha certeza de que aquilo não era um homem. Ela parecia muito mais jovem que ele, e muito menor também. Os dois foram para a sacada, tinham copos nas mãos. Senti meu coração disparar.

Eu acho que conheço aquela garota...

E de fato conhecia, era a Gabriela, a metida da sala, sempre a fazer perguntas óbvias e a ficar em cima da mesa do professor, papeando após a aula.

Eu não acredito!

Senti o nó dos dedos se enrijecerem, os dentes se apertavam dentro da boca. Meu coração palpitava, e minhas orelhas queimaram quando vi ele a beijando, agarrando-a com força. Ele a botou contra a sacada, espremeu-a sobre a mureta. A vi erguendo as pernas, os olhos de Eron fitando os meus. Não dava para ouvir os gemidos, mas sabia que ela sussurrava de prazer em seu ouvido.

Ele tá comendo ela na minha frente!

Eram entocadas fortes, dava para ver os braços dela segurando firme sobre as costas dele. Gabriela erguia as pernas cada vez mais alto, até que ele a agarrou pelas coxas e a levou para a cama. Dava para ver tudo dali, e eu não consegui conter os meus olhos, nem a fúria e nem a curiosidade.

A vi de quatro, ela rebolando sobre o membro dele, ele olhando para o lado, para mim, do outro lado da rua, enquanto fodia com a garota que eu mais odiava naquela escola.

O vi sorrindo, e aquilo não era um sonho... ou um pesadelo. Estava acontecendo.

Te vejo na sacada, Ana... aquilo continuou a bombardear a minha mente, e ele quase gozando dentro dela, puxando-a pelos cabelos com força.

Fechei a vidraça, as cortinas, desabei sobre a cama. Comecei a chorar, e lágrimas abafadas escorriam pelos olhos, salgadas de ódio e ciúme.

Será Que é Desejo? (HISTÓRIA COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora