capítulo CINCO

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AQUELA CENA NÃO me saía da cabeça. Eron transou com uma colega minha bem na minha frente! No fundo eu sabia que ele havia feito aquilo de propósito. Não faria sentido se fosse apenas uma grande coincidência, não é?

Eu estou ficando louca!

As férias estão aí, amanhã embarcarei para a casa da minha prima, e vou tentar esquecer toda essa loucura sem sentido. Isso só pode ser coisa da minha cabeça! Eu precisava esquecer aquela cena, isso sim. No entanto, não conseguia tirar a ideia de que eu deveria estar no lugar dela, abrindo as pernas para ele, recebendo aquele membro com tudo, gemendo no ouvido dele, assim como aquela vaca fez.

Mordi os lábios e apertei os punhos. Respirei fundo, fiz as malas. A praia não ficava assim tão longe, e eu pegaria carona com um amigo nosso, comerciante, que vive de cidade em cidade. Era uma boa oportunidade. Meu irmão não quis ir, preferiu ficar em casa, sabe-se lá o motivo. Era sexta-feira quando partimos, abracei bem forte cada um da minha família. Estava empolgada com a ideia da praia, sentia saudades da Emily, de nossas antigas brincadeiras, de como contávamos histórias sobre o nosso primeiro beijo, de fazer listas dos mais gatos da turma, coisas que aconteciam quando ainda morávamos na mesma cidade, mas isso foi há muito tempo.

A viagem foi tranquila, um tanto tediosa. Ricardo, o motorista, não era muito de conversa, então fiquei lendo por boa parte da estrada. Os fones tocavam uma música suave, boa para a leitura. Adormeci algumas vezes, paramos para comer à beira da via, nessas lanchonetes que fedem a óleo, diesel queimado e a pó.

Quando chegamos no litoral, abrimos as janelas, sentimos a maresia fresca entrando no carro. Era libertador. A brisa, de repente, me fez esquecer de tudo aquilo. Seriam férias maravilhosas, sem Eron, sem meu irmão, mensagens estranhas ou trepadas em sacadas...

Minha prima morava na beira da praia, num casarão antigo, um tanto desbotado, por sinal. Ricardo me desejou boas férias, partiu pouco depois. Fui recebida logo na entrada, Emily saltou sobre mim ao som de gritos estridentes de alegria.

— Meu deus! — disse ela, os cabelos lisos, morenos, beirando ao castanho; a pele mais escura, os lábios finos, o corpo esbelto. — Como você tá, Ana? Cara, que saudade! — ela me apertou ainda mais forte.

Mal pude falar alguma coisa, Emily atropelava as palavras.

— E então? Como está sendo morar na capital? Tem muito gato lá? A escola é boa? O clima é bom?

Eram mais perguntas do que meu cérebro era capaz de compreender as respostas, então fui respondendo uma a uma com calma.

Ao entrarmos fui recebida pelo Tico, o labrador de Emily, que a princípio desconfiou, mas depois me reconheceu. Quando parti ele era apenas um filhote, e hoje já passava dos seis anos.

— Caramba! — exclamei, o cão lambendo minhas bochechas. — Como o Tico tá grande!

— Ah, esse aí é tão grande quanto bobo. Não liga não — ela riu, depois apontou para um dos quartos. — Deixa a mala ali, você ainda tem que ver a minha mãe, ela tá lá atrás.

Emily perdera o pai logo depois de nascer, fora criada pela mãe, dona de uma pequena franquia de salões de beleza da região. A casa, no entanto, era herdada do avô por parte do pai.

A mulher estava admirando a praia, os dedos enterrados na areia, fui recebida com um sorriso e depois um abraço, mas isso tudo não durou muito tempo, pois Emily me arrastou para dentro, para o quarto. Ela era quase um ano mais velha que eu, mas não parecia nada disso; talvez o jeito simpático e bobo a entregassem um ar mais infantil.

— Olha só isso! — ela trancou a porta e tirou por debaixo da cama um bong. — Já usou um desses?

Franzi um cenho, aquela coisa mais parecia ter saído de um laboratório de química.

— Você fuma isso? — perguntei.

— Mas é claro! — e então sua voz mudou para um murmúrio. — Vamos experimentar um hoje?

Hesitei, todas as minhas experiências enquanto estava chapada começaram a borbulhar dentro da mente. Me senti insegura.

— Não sei...

— Ah, qual é! — ela socou o meu ombro. — Isso aqui é mais inofensivo que álcool, e dá um barato muito melhor. Topa?

— Acho que... sim — respondi, ainda um tanto desconfortável.

— Ótimo! — ela guardou o bong embaixo da cama outra vez. — Tem uma turma aqui que você vai se amarrar. Vai ter um festão na beira da praia, vai ser o máximo!

Ela ainda tirou de dentro do armário um álbum, um tanto empoeirado, do qual vislumbramos o passado outra vez; nossos sorrisos banguelas, bocas lambuzadas com sorvete, fotos em família. Tudo aquilo nos trazia uma sensação boa, mas ao mesmo tempo era como olhar para um pedaço que nunca mais retornaria. Uma nostalgia que nos apertava o peito.

Aproveitamos a tarde para passear pela cidade e pela praia, ver o que estava igual e o que estava diferente. Tomamos sorvete, comemos perninhas de siri. Depois, bebemos água de coco, passeamos pela orla da praia, demos um mergulho. Foi um dia proveitoso.

A água do mar lavou todos os pensamentos que deixei para trás. Por muito tempo esqueci sobre Eron e a sacada, sobre a preocupação de ter transado sem camisinha. Eu ia precisar fazer o maldito teste para tirar a certeza!

As irresponsabilidades me corroíam por dentro, isso e o tesão. Era difícil ter essa idade, ter juízo, obedecer a razão, não ficar molhada com qualquer cara gostoso que apareça puxando papo com você.

Eu não levava jeito...

No entanto, por outro lado, não me sentia suja, e sim livre, livre para fazer o que quisesse com o meu corpo, me sentir que podia experimentar todos os prazeres do mundo sem o peso dos julgamentos sobre os ombros.

Viver era fazer parte disso.

A vida é uma só, Ana Lúcia! Aproveita essa merda!

Pensar daquela forma era libertador.

Será Que é Desejo? (HISTÓRIA COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora