capítulo NOVE

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ACORDEI COM O celular tocando. Me senti assustada, as memórias de ontem vieram de uma única vez, como numa overdose. Senti a cabeça latejar e então segurei o vômito. A chamada indicava um número estranho, e por um segundo pensei se tratar de Eron. Hesitei em atender, mas logo cedi.

— Ana, você tá bem? — quem perguntara aquilo tinha uma voz familiar.

— T-Thomas? — esfreguei os olhos, a cabeça quase explodindo, o estômago revirado. — S-sim, estou... acho que estou, na verdade. Não me lembro de muita coisa ontem... eu... eu...

— Aquele babaca tentou te estuprar — a voz de Thomas saía quase que um murmúrio, havia raiva em seu tom. — Você deve sair daqui, Ana, e logo. Sair da cidade. O pai do Antônio é um cara poderoso por aqui, sabe-se-lá o que pode acontecer com você.

— E quanto a você, Thomas? O que você vai fazer?!

— Eu? — ele pensou por um tempo. Estalou a língua. — Não esquente comigo, já lidei com esse tipo antes. Sei me virar.

— Tem certeza?

— Relaxa, Ana. Vá embora da cidade logo, por favor. Faça isso.

E então ele desligou.

Sem adeus, sem dizer mais nada. Apenas... se foi.

Engoli o nó que se fez na garganta, fui correndo até o quarto da Emily, ela ainda dormia.

— Ei, Emily, acorda! — a cutuquei bem na costela, ela me deu um tapa, resmungou e rolou para o lado. — Cara, acorda, é sério!

— O que foi, Ana? Que saco!

— Eu preciso sair daqui!

Emily então pareceu despertar de verdade.

— Do que diabos você tá falando?

— Ontem, Emily, enquanto você estava chapada...

O olhar da garota ficou sério de repente.

— Ana, o que aconteceu?

Minhas bochechas começaram a queimar, as memórias fervilhavam. Quando percebi, lágrimas rolavam pelos olhos, o nó na garganta se apertou. Emily me abraçou firme, os cenhos franzidos.

— Acho que o Antônio, ontem... ele... ele...

Ela demorou a entender, dava para ver a confusão no rosto de Emily.

— Ai, meu deus, Ana! — ela me apertou bem forte. — Ele abusou de você?!

— O Thomas... o Thomas me salvou. Ele ia me estuprar, Emily, o Antônio, ele ia me estuprar!

As lágrimas escorreram como um rio de desespero. Emily me abraçou com força, até seus braços doerem. Quando meus soluços pararam e a história foi melhor esclarecida, Emily me ajudou a acabar com tudo aquilo.

— A Ana vai embora, mãe — disse a garota. — Um amigo dela se acidentou feio, o rapaz tá na UTI. É o Michel, não é?

— Sim — concordei, o rosto genuinamente abalado.

— Minha nossa! — disse a mulher, abraçando-me. — Nossa, Ana, sinto muito... sim, sim, nós te levamos de volta à capital, não tem problema. O rapaz corre risco de morte?!

— Sim, mãe — Emily mentiu outra vez. — O coitado quebrou o crânio, o capacete se soltou da cabeça, bateu com tudo num poste.

A mulher ficou pálida de um instante para outro. Não demorou para que ela fizesse uma ligação, combinou com um velho amigo. Eu iria embora dali logo após o almoço, e ainda não havia pensando no que diria a minha mãe...

O que importava agora, na verdade, é que eu havia sido salva, e que, por uma infinita sorte do destino, aquele nojento não conseguiu o que queria. Senti um arrepio percorrer o corpo, uma náusea que me fez quase vomitar ali mesmo. Por um instante me senti suja, como se precisasse de um banho, lavar a alma de uma vez.

Será Que é Desejo? (HISTÓRIA COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora