Ele já estava ligando o tape quando ainda limpando os olhos aleguei:
— O senhor prometeu, nada de besteiras.
— Vou lhe mostrar algo muito triste. Algo que você jamais se esquecerá.
— Mais triste do que a minha saudade de casa é impossível.
— Só pra deixá-lo por dentro, você ainda não completou seus dez anos da Terra.
O aparelho foi ligado e eu, apenas de short, sem camisa, estava brigando de socos e rolar no chão com Toninho, um menino branco de cabelos pretos de minha idade. Nós éramos assim, sem querer plagiar, um tipo de... inimigos inseparáveis; brigávamos sempre e em pouco tempo estávamos juntos novamente.
Na luta, algumas vezes eu apanhava, outras batia; dependia da sorte no momento; de quem conseguisse derrubar o outro primeiro e levar a vantagem de ficar por cima.
— Naquele dia, ele surgiu lá de sua casa na esquina, já me provocando, me chamando de maricas por brincar com meninas.
— Quem brinca com meninas não é maricas! — Negou o senhor Frene. — Está mais é pra ser machinho! Gosta de meninas. Gosta de namorar.
— Eu não namoro a Regina! E nem a Beth! Elas são minhas amigas!
— Amigas?!
— Que mania que adultos tem de achar bonitinho que uma criança gosta de namorar! Criança gosta é de brincar!
Toninho me acertou um forte murro no nariz, fazendo com que o sangue quase negro, escorresse por minha boca e tórax.
Ao sentir aquele gosto doce e quente de meu próprio sangue entre os lábios, o que sobrou dele ferveu dentro das veias, me deixando tão bravo e nervoso, que me fez criar uma força descomunal, fazendo com que eu conseguisse dominá-lo, derrubando-o ao solo e me sentando sobre sua barriga, segurando com a mão esquerda em sua garganta e chegando a esfregar meu punho direito fechado sobre seu nariz, ameaçando dar-lhe um avassalador soco, que o deixaria bonzinho para o resto de sua bendita vida de moleque provocador.
Só que não fiz.
Mamãe apareceu com sua costumeira varinha de guanxuma verde entre as mãos e puxando-me pelos braços, tentou me surrar, acertando-me algumas varadas.
Escapei-me de suas garras e corri para dentro do quintal, onde algo me disse que deveria parar e esperar.
Ela me surrou com mais algumas varadas sobre minhas pernas nuas. A dor das varadas, o sangue escorrendo pelo nariz e o nervosismo pela injustiça, fizeram-me reagir e tomar-lhe a vara, virando-me contra ela, ameaçando desferir também algumas daquelas varadas em sua face; porém, nessa hora meu coração doeu e eu arrependido parei, devolvendo-lhe a varinha. Foi então, que sem perdão apanhei pra valer: Mamãe, nervosa, desferiu dezenas de varadas por todo meu corpo, sem pensar em que lugar acertava: pernas, braços, rosto, nádegas...
Apanhei tanto, que minha bexiga lotada se esqueceu de que ali não era a hora e o lugar e se abriu, fazendo com que a urina acumulada, de moleque que se esquece de ir ao banheiro, escorresse pelas pernas abaixo.
A urina que vazou, acho que foi até bom, pois foi o alerta que precisava para que a surra findasse e então, cumprida cruel punição, acabei, do jeito que estava, deitando-me de bruços em minha cama.
Poucos minutos depois, meu irmão Leandro ainda surgiu para caçoar de minhas dores físicas e emocionais, dizendo que eu iria direto, sem escalas, para o inferno, ser espetado pelo tridente do capeta, por ter ameaçado nossa própria mãe.