Três dias depois
Yuri encontrava-se com o cartão em mãos. A visão do moreno que salvara as suas compras ainda circundava sua cabeça. Sentado em seu sofá, perguntava-se se deveria ligar ou ir pessoalmente no endereço escrito no pequeno papel. O primeiro pareceria muito formal, já o segundo daria a entender algo a mais. Suspirou, jogando o corpo no encosto.
Resolveu então pelo segundo. Ele queria parecer agradecido, e um telefonema não daria essa impressão. Levantou-se e arrumou-se, partindo em seguida para o tal escritório em seu carro.
Durante todo o caminho, pegou-se sorrindo. Não deveria sorrir assim apenas de excitação para rever um estranho, mas não se importava. Ele só iria pagar a própria conta, não é mesmo?
Yuri sempre foi um homem honesto. Como a maioria dos ômegas, teve seus direitos negados. Isso não o impediu de nada, muito pelo contário. A sensação que sentia quando esfregava na cara de um alfa que ele podia fazer qualquer coisa era gratificante.
Seu sonho era fazer advocacia. Aonde morava, só tinha para alfas e betas. Para ômegas, teria que sair do país. Porém, como bom futuro advogado, nada que um processo não resolvesse. Conseguiu a permissão para realização da prova. Os reitores da faculdade ficaram assustados quando o resultado de primeiro lugar veio no nome do ômega.
Chegaram a cogitar que tinha trapaceado, mas ao aplicarem uma avaliação surpresa, foi inegável o resultado. Dentro do curso os seus esforços aumentaram, conseguindo formar-se como um dos melhores alunos. Isso era seu maior orgulho. Um ômega que chegou mais alto que muitos alfas.
Sua família tinha muito orgulho de Yuri. Uma família composta apenas por ômegas e betas, e o loiro conseguiu ir tão longe. Isso era uma inspiração para seu irmão, que também era ômega.
No entanto, esse rótulo sempre pertubou Yuri. Sentia-se preso. Tinha sempre que se apresentar e contar suas vantagens nos locais para que as pessoas o respeitassem. Se entupia de controladores de cheiro, mas o corpo e os traços não podiam ser controlados. Não queria ser o ômega que venceu na vida. Não queria ter que ser a exceção para os ômegas. Queria que fosse normal. Que fosse tratado como normal.
Saiu de seus devaneios quando chegou ao endereço. Estacionou de forma rápida, uma baliza perfeita. Sorriu. O prédio era alto, mas não muito sofisticado. Passou pelas portas de vidro escuro, seguindo para o elevador e então para o andar apontado.
Bateu na porta com os nós dos dedos apenas por educação, pois entrou em seguida. O cheiro de alfa inundou suas narinas, fazendo-o piscar, levemente atordoado.
—Com licença? Aqui é o escritório dos Altin?
A mulher que estava sentada na recepção olhou para Yuri. Os cabelos negros curtos, os olhos azuis. Era bonita, pensou o loiro, embora fosse apenas uma beta.
Ela iria falar algo, mas o telefone tocou. Sorriu e sussurrou "um minuto", levantando o dedo indicador. Atendeu, se virando para o lado.
—Tiregen Imóveis, aqui é Isabella Altin, em que posso ajudá-lo hoje?
Yuri estranhou o nome. Tiregen deveria ser em algum idioma que não ele não conhecia. Parecia russo, embora não fosse. Yuri conhecia bem o idioma de sua família. A palavra que estranhou significava "arranha-céu" em cazaque, mas mesmo sem saber o significado, ficou um pouco assustado.
Então Otabek vinha de uma boa família, deduziu. Quando a mulher se apresentou como Altin, um balde de água gelada foi jogado em sua cabeça. Então o seu homem dos sonhos era casado. Com uma beta. Mas ele não tinha um homem dos sonhos! Ele nem ao menos queria um relacionamento!
Resmungou, pensando que deveria deixar isso para lá e não pagar a conta. Virou-se para sair, a mulher no telefone pediu para ele ficar, mas ele não escutou.
Não queria mais ver o moreno, seu orgulho estava ferido. Seu coração estava ferido.
Seu corpo ia passando pela porta, quando a voz grossa arranhou de forma gostosa seus ouvidos. O cheiro de alfas ficou mais forte. Um era comum, o outro fez até os seus pelos mais baixos arrepiarem-se.
—Yuri?— Era a voz de Otabek, Yuri reconheceria em qualquer canto. O cheiro era dele, então é um alfa, pensou Yuri, ainda atordoado.
—Porra, Otabek! Não sai da merda da reunião assim, caralho. Esse cliente é importante porra.
—Eu senti o cheiro do Yuri, caralho. É só uma vídeo transferência, não dá em nada.
Ao ouvir seu nome, a vergonha percorreu seu corpo. Um alfa havia reconhecido seu cheiro e abandonado uma reunião importante por ele? Sentiu que iria explodir a qualquer hora. Ele usava supressores de cheiro, não era para ninguém sentir! A sensação que sentiu após cair na real, foi de raiva. Raiva por ter gostado, raiva por se manter dentro do maldito rótulo de ômega. Ele não queria ficar com alfas, ele não queria gostar de alfas.
—Foda-se. Bella, amor, marque novamente com o senhor Han, parece que nosso amiguinho aqui ficou de pau duro imaginando coisas. Invente que caiu a linha, a internet, a luz, qualquer merda.
Yuri estava estático do outro lado da porta. Entrou novamente, deixando a visão do moreno invadir seu campo de visão. Olhou na direção da mesa, onde outro moreno, muito parecido com seu alfa, beijava a tal Isabella, então Otabek não era casado afinal.
— E-eu - Tossiu, porque diabos estava gaguejando? - Eu vim para acertamos aquela compra do outro dia.
Otabek sorriu, então o loiro era honesto. Além de lindo e de ter o melhor cheiro que já sentira, ele era honesto. "E também é casado Otabek, foco." Pensou se lamentando. Quer dizer, mesmo que não fosse, não é como se ele fosse querer alguma coisa com ele. Ele era apenas um alfa fora da média, que não conseguia cuidar nem de si, quem dirá de uma ômega como Yuri. Ele era delicado, e parecia decidido. Otabek jamais teria chance com ele. Ele era um anjo, delicado e puro.
— Não precisava se incomodar com isso. - Disse se aproximando mais do loiro. - Só quis fazer uma gentileza - o loiro tirava uma pequena carteira da bolsa que carregava, e fez menção de abri-la, mas foi impedido pelo cazaque. — Por favor, eu insisto.
— Não é como se eu fosse incapaz de pagar minhas contas, senhor Altin.
— Eu não quis dizer isso, apenas queria fazer uma gentileza.
— Gentilezas gentilezas, dinheiro é a parte. — Retirou o dinheiro da carteira, estendendo para Otabek. O moreno cruzou os braços atrás do corpo, sorrindo, o que fez Yuri revirar os olhos e rir baixinho. — Vamos lá, não é tão difícil assim. Seu orgulho de alfa não deixa? — Provocou, sorrindo.
—Exatamente. — Otabek sorriu mais.
— Ah, tudo bem então. — Yuri deu-se por vencido, vendo que aquilo não levaria a nada. — Posso te pagar um café, então?
— Um ômega oferecendo café para você, Otabek? Que fracassado. — A risada de Jean foi completamente ignorada pelos dois, que pareciam estar em um universo particular.
— Eu adoraria. — O sorriso malicioso combinava com a aura do local.
Otabek caminhou para a porta, abrindo para Yuri.
— Eu podia fazer isso sozinho. — A voz de Yuri não continha nenhum sentimento negativo, apenas malícia e sensualidade. Olhou por cima do ombro passando pela porta.
Otabek mordeu os lábios. O pescoço de Yuri era limpo, sem marcas. Se perguntou como um ômega casado não teria marca. Ele pertenceria a um beta? Seria casado com outro ômega? Se era assim, por que flertava com Otabek?
Isso o deixava confuso, porém ele estava sedento por mais. Fechou a porta atrás de si, e seguiu Yuri. Talvez Yuri não fosse tão inocente quanto pensou.
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I can't Fly
FantasíaCOAUTORIA: @Jaine_Nina Seria possível ter tanto azar? Fazia anos que Otabek não encontrava alguém interessante de verdade. Não esperava que encontraria naquele mercado, também. Devia ser um castigo divino que, justamente quando sentiu aquela famosa...