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Um, dois... Puxa!

Meus dedos apertaram com força a borda de madeira do espelho quando senti minhas costelas serem comprimidas. Ofeguei baixo e contei até dois outra vez antes do próximo puxão.

Espartilhos não poderiam ser uma criação divina, pois eu fielmente acreditava que Deus não seria tão cruel dessa forma. Não, com toda certeza fora feito pelo homem com o objetivo de ser mais um utensílio de tortura do que uma peça de vestimenta feminina. Afinal, que outra utilidade tinha além de nos espremer e sufocar o suficiente para não termos oportunidade de falarmos e expressarmos nossas opiniões? Eu mal conseguia raciocinar direito enquanto era submetida àquela tortura.

Fechei os olhos para reprimir o meu desconforto enquanto a criada trabalhava agilmente e em silêncio com os fios do espartilho. A cada novo puxão o meu corpo era puxado junto alguns centímetro para trás e o ar era expulso dos meus pulmões. Espiei meu reflexo no espelho. Meu maxilar estava travado e as narinas dilatadas. A pele pálida cheia de sardas estava levemente corada por causa do esforço e fazia um belo contraste com o cabelo ruivo que caía solto por cima de um ombro até quase alcançar a cintura. Meus olhos, como de costume, se detiveram no medalhão pendurado no meu pescoço.

Não era a jóia mais valiosa que eu possuía tampouco a mais admirável. Mas, de todas as que repousavam sobre a minha penteadeira, aquele medalhão antigo era o que mais me importava. A corrente era de prata assim como a borda que prendia a pedra vermelha não muito maior do que uma azeitona. Era um singelo presente do meu irmão mais velho, entregue no dia em que eu debutei. Quando completei a idade de procurar um pretendente, há dois anos, havia sido realizado um baile pomposo para me apresentar a elite da sociedade, mas tudo o que eu conseguia me recordar da noite glamurosa fora o momento em que ele me presenteou com a bela jóia. E aquele momento havia se repetido várias vezes na minha mente durante os últimos dias.

James Sirius era o primogénito da nobre e antiga família Potter. Quando o Visconde Harry Potter falecesse, apenas ele herdaria o título de nobreza, as terras e as propriedades da família. Albus Severus, o filho do meio, ficaria com uma renda mensal que permitiria que ele tivesse uma boa e luxuosa vida. E a mim tragicamente restava conseguir um bom casamento.

Mesmo que não precisasse trabalhar um único dia da sua vida, assim que teve idade suficiente, James se alistou ao serviço da Marinha Real Britânica. Ele tinha um espírito aventureiro e estava sempre em busca de uma vida cheia de emoções antes de ter o peso das obrigações de um nobre sobre suas costas. Quem poderia julgá-lo? Se me fosse permitido, acabaria por fazer o mesmo sem pensar duas vezes.

Quando as notícias sobre o desaparecimento do navio Jóia da Coroa, ao qual James servia como Segundo Imediato, chegou até os meus ouvidos, desejei ser homem e pular na próxima embarcação para buscá-lo onde quer que estivesse. O que deveria ser uma expedição diplomática da Coroa, acabou se tornando os dias mais angustiantes da minha vida.

Rumores haviam chegado dos quatro cantos, cada um contando uma história diferente: uma embarcação pirata que atacou o navio e mantinha todos os tripulantes reféns em algum lugar entre Baía dos Piratas até o Mar Negro. Boatos de que sereias teriam naufragado o navio e afogado todos à bordo. E a história mais comum dizia que o próprio Primeiro Imediato havia liderado um motim contra o Capitão e traído o Reino, tomando o navio para si. Histórias com monstros marinhos, piratas e traição... Mas não passavam de meros rumores. Nenhuma informação oficial havia chegado.

Eu havia colocado o medalhão no pescoço no dia em que as buscas começaram, para que desse sorte, e não o tirei desde então, nem para me banhar. Sabia que James voltaria para casa, sabia dentro de mim que ele não estava perdido para sempre, como muitos começaram a alegar depois de um tempo, e minha fé nele não se abalou nem mesmo quando uma carta fora entregue, há duas semanas, informando que as buscas pelo navio estavam sendo suspensas definitivamente e meu irmão fora oficialmente declarado morto, assim como o resto da tripulação, mesmo sem nenhum corpo para provar.

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