II

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Depois de passar horas a fio ouvindo de cabeça baixa, obediente e comportada, um sermão da minha mãe sobre o quanto eu a envergonhei na frente de todas aquelas pessoas importantes com a minha fuga impulsiva e extremamente desrespeitosa, inventei uma desculpa e fui me deitar cedo naquela noite sem nem mesmo participar da ceia. Eu não estava com sono ou cansada, mas permaneceria na cama até que todos estivessem dormindo.

Pouco depois de me recolher ouvi batidas na porta. Peguei rapidamente um livro na mesa de cabeceira e fingi que o lia quando a criada entrou no quarto trazendo uma bandeja nas mãos.

— Trouxe sua refeição, milady. — ela informou.

— Eu não pedi.

— O seu irmão insistiu.

Não pude deixar de notar que aquele gesto era algo que James faria e meus lábios se curvaram de lado em um sorriso pequeno com a tentativa de Albus de se parecer mais com o nosso irmão mais velho. Quase como se quisesse me oferecer algum conforto.

— Deixe aí em cima, não estou com fome. — mandei e Merope colocou a bandeja sobre a penteadeira antes de se virar para mim e vir ajeitar os meus travesseiros.

— Foi um longo dia, a senhorita deve estar exausta.

— Acha que minha mãe está certa? — perguntei inesperadamente, deixando o livro de lado enquanto ela puxava a coberta para me cobrir. — Acha que, independente de qualquer coisa, eu devo aceitar ficar noiva do Duque?

— O Duque é um ótimo partido, se me permite a ousadia.

— É um ótimo partido, — repeti, com um suspiro. — Um bom homem, do tipo que todas sonham para marido. E também é lindo.

— Então por que teme tanto se casar com ele?

Pisquei os olhos, sem palavras. Nunca me ocorreu que medo fosse a palavra certa para o que sentia. Mas acabei falhando na tentativa de encontrar outra que melhor se encaixasse.

— Eu não temo. — respondi, teimosa. — Só não consigo pensar nisso enquanto meu irmão ainda está desaparecido.

— Está querendo convencer a mim ou a si mesma? — ela soprou um vela e saiu do quarto deixando a pergunta ousada pairar no ar.

Não me permiti pensar muito a respeito. Não podia deixar meus pensamentos se desviarem do foco principal daquela noite. Fiquei durante um longo e penoso tempo encarando o teto com os olhos bem abertos, planejando cada detalhe do plano que beirava a insanidade. E esperei até não ouvi mais nenhum ruído fora do meu quarto.

Já passava da meia noite quando deslizei para fora das cobertas. A casa inteira estava silenciosa e àquela hora até os criados já haviam se recolhido. Eu não tinha muito tempo e precisava me apressar antes que alguém descobrisse os meus planos.

Livrei-me da camisola fina e vesti um traje completo de montaria, roupas pouco chamativas, jogando uma capa de viagem por cima da minha cabeça. Fiz uma longa trança no meu cabelo e, embaixo da cama, puxei a bolsa com os itens necessários que eu havia reunido mais cedo. Na cintura, a minha espada fina de esgrima e uma faca afiada — algo me dizia que precisaria mais daqueles objetos do que das moedas de ouro e prata e as jóias que levava comigo.

Deixei uma carta sobre a penteadeira ao lado da ceia intocada que seria encontrada por Merope logo ao amanhecer assim que ela entrasse no meu quarto para me acordar. Depois de ajeitar tudo para a minha partida, parei por um tempo e observei o cômodo ao redor, tocando o meu medalhão no pescoço sem conseguir evitar o sentimento de apego. Queria ao menos ter tido a oportunidade de me despedir de Albus, mas eu sabia que não seria possível. Ele não entenderia e tentaria me impedir. Fechei os dedos sobre o medalhão e soltei um suspiro pesado. Mesmo sabendo que era a coisa certa a ser feita, senti meu coração apertar em ter que deixar todos para trás, sem saber quando voltaria a vê-los outra vez. Eu os amava tanto quanto amava James e, se a minha jornada desse errado, talvez eu nunca mais os visse.

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