Ela diz palavras que eu não entendo

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Abaixei a cabeça. Observei meus pés descalços. Eu sempre estava descalço. Sempre. Alex não me dava sapatos. Antes eu pedia, pedia muito. Queria usar tênis como os que ele usava. Mas depois, com o tempo, percebi que não adiantava pedir.

Alex nunca dava as coisas que eu pedia. Por um tempo muito longo, eu não tive nem blusa para vestir. A que eu tinha rasgou e ele se recusou a dar outra para mim.

Eu ficava andando pelo mundo usando apenas uma bermuda pequena demais em mim. Estava numa época fria. Eu ficava espirrando, sentia a pele fervendo e mesmo assim, o frio não passava. Não parava de adoecer por andar sempre sem blusa e mesmo assim, Alex demorou muito tempo até me dar uma nova camisa de malha.

Quanto mais eu era manso, quanto menos eu falava e quanto mais obedecia a Alex, eu vivia melhor. Por isso aprendi a ficar calado, aprendi a o obedecer, a não reclamar e a nunca, nunca irritar Alex. Ele sempre me batia quando estava bravo.

Por estar sendo obediente, quando um pedaço do céu caiu no meu quarto, eu tinha roupa. Tinha três blusas, duas calças e uma bermuda. Até cueca eu tinha! Lembrava do dia que Alex me deu...

— Você gostou dela, Stiles? — A frase perdida em risadas fez com que eu voltasse a olhar para Alex. — Às vezes eu esqueço que é virgem! Deve estar louco para se enterrar dentro da Lydia! — Ele balançou a cabeça, me olhou com deboche. — É obvio que vai querer proteger a sua transa!

Franzi o rosto para Alex, tentei entender aquelas palavras. Como eu poderia me enterrar dentro de Lydia? Isso era possível? Não parecia ser. Não conseguia entender.

Eu poderia de alguma forma entrar no seu corpo? Poderia me misturar com ela? Desaparecer dentro de uma mulher tão linda?

Eu ia amar desaparecer. Simplesmente deixar de existir. Se o que o Alex tinha falado era verdade.... Eu queria fundir meu corpo com o de Lydia e sumir para sempre. Fazer com que somente ela existisse. Deixar ela consumir todo meu corpo.

— Você pode se divertir com ela, Stiles. Não vou tirá-la daqui! — Alex voltou a falar e mais uma vez, me perguntei se aquilo era verdade. — Talvez até melhore o seu humor se você conseguir uma boa transa.

— T-transa? — Repeti a palavra que eu já tinha ouvido outras vezes, mas não sabia o que significava.

— Não, não, não.... — Lydia sussurrava baixinho a mesma palavra diversas vezes.

Virei a cabeça para trás, olhei para meu pedaço do paraíso. Ela tinha medo no rosto. Muito. Muito medo. Seus olhos estavam novamente cheios de lágrimas. Eu queria falar para ela não chorar.

— Você não precisa querer nada, Lydia! Faz tempo que ele precisa de uma distração, não é Stiles? — Sabia que Alex olhava para mim, mas eu só conseguia olhar para meu pedaço do Paraíso. — Tem que me agradecer por ter pego minha filha, ela vai ser um ótimo brinquedo para a gente!

Lydia ainda chorava quando mais uma vez, se jogou para Alex. Ela soltou uma espécie de grito e correu para ele. Eu fui rápido o suficiente para capturar seus braços antes que ela tentasse, de novo, bater nele.

A puxei com força para mim, sentindo seus frágeis protestos. Ela estava furiosa e eu via a força que fazia. A pele chegava a estar vermelha devido o esforço, veias se destacavam no pescoço fino. Mesmo assim, ela era fraca demais comparada a mim.

— Não sabe se comportar, não é filhinha? Faltou que o papai desse alguma educação para você! — Deboche, escárnio. Eram as palavras que resumiam o tom de Alex.

Lydia, o meu pequeno pedaço do Céu, grunhiu de raiva e frustração. Seus braços se debatiam e as pernas não paravam de lutar. Eu não podia soltá-la, tinha que a proteger.

— Céu, não faz isso. Por favor. — Falei baixo, bem baixinho. — Ele vai querer machucar você.

Em meio a luta, o Paraíso olhou para mim. Ela voltou seus olhos na minha direção. Meu coração disparou no peito, senti ele se contorcendo e batendo com força.

— Qual é o seu problema? — Ela gritou. Gritou para mim. Seu choro aumentou e a culpa recaiu sobre meus ombros. — Ele está falando para você me estuprar!

— O que é isso? — Perguntei confuso, sem entender.

Sempre odiei palavras que não consigo entender. Sempre. Ficava irritado quando Alex dizia frases sem sentindo e não explicava o que significava. Eu me sentia burro nessas horas.

Infelizmente, isso acontecia a todo instante. A todo minuto eu encontrava palavras novas. A todo segundo eu percebia que precisava entender algo, mas não tinha quem me explicasse.

Você sabe o que é transar? O que é estuprar?

Eu queria entender. Queria saber. Precisava!

Apesar de toda a situação, apesar do desespero do meu pedaço do Paraíso, eu ainda pensava nas palavras de Alex. Perguntava a mim mesmo se eu poderia me enterrar dentro de Lydia. Queria entender.

— Você é louco! — Mais uma vez ela gritou. E mais vez, o grito foi para mim.

Retesei o corpo com a ofensa e isso fez com que a primeira mulher do mundo escapasse. Ela se soltou do meu aperto e deu vários passos para longe de mim. Seus olhos verdes, lindos, estavam voltados a mim.

— Eu quero sair daqui!

Ela estava se desesperando. Perdendo todo o controle.

Nunca tinha visto alguém assim.

Eu nunca tinha ficado daquela maneira. Nem Alex. E só existia nós dois no mundo todo. Mas Lydia era diferente. Bem diferente. Ela era mulher. Era linda e tinha acabado de cair do céu.

Ela chorava. Chorava muito. As lágrimas surgiam e desabavam por todo seu rosto. Seu nariz estava vermelho, muito vermelho. Contrastava com a pele branquinha e perfeita.

Suas pequenas mãos estavam fechadas em punho e seus braços tremiam. Eu enxergava o ódio, o medo e a tristeza em uma mistura atordoante em seu rosto. Eu desejava tirar todos aqueles sentimentos dela. Queria ver o Paraíso sorrindo.

— Não chore. — Disse por impulso, ansiando que ela ouvisse meu sussurro. — Você é...

Eu ia dizer mais uma vez o quanto ela era linda. Mas o bufar de Alex me impediu de continuar. Ele andou até ela. Andou até meu pequeno pedaço do Céu.

Eu queria Lydia para mim. Queria vê-la sorrindo. Precisava.

Não ia deixar Alex machucá-la.

— Já está me irritando, Lydia! Acho que precisa de uma lição para aprender de uma vez que sou eu que...

— Você não vai bater no céu!

Minha voz sempre era baixa, um sussurro. Pois eu sabia que precisava ser para não irritar Alex. Porém, quando percebi o que ele ia fazer, quando vi as mãos dele fechadas em punho e o olhar de raiva para o paraíso, eu gritei aquela frase.

Alex parou no lugar e me olhou.

— Desculpe! E-Eu não vou mais gritar com você. — Murmurei tardiamente, sentindo meu rosto esquentar de vergonha. O pedaço do Paraíso ia me ver apanhar. — Desculpe, por favor!

Fechei os olhos, grudei os braços contra o corpo. Contei mentalmente, tentando me acalmar. Esperei a dor vir. Quando minha contagem alcançou o número sete, senti o primeiro murro direcionado ao meu rosto.

— Quer continuar defendendo, Stiles? — Uma nova pressão no meu estômago. Precisei me curvar com a dor. — Então vai levar a surra no lugar dela!

Assim que desabei no chão e levei o primeiro chute, meu único consolo era saber que meu pedaço do Céu não ia se machucar. Ela era a primeira mulher do mundo. Era linda, muito linda. E por causa dos chutes que eu estava recebendo, ela estava segura.

O Pequeno pedaço do céuOnde histórias criam vida. Descubra agora