"Loucura"

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Camilo sentou num banco de pedra em frente as salas de aulas e tirou o celular para mandar um aviso para Holanda. Depois se deixou aguardar enquanto pensava em tudo o que a sua vida comportava naquele exacto momento. Se a mulher lhe tirava do sério? Com toda certeza, mas aquele jeito único de lhe cobrar atenção fazia com que parecesse que era importante e não tão dispensável como julgava ser.

O mais engraçado de tudo era que Val tinha começado exactamente de onde ele sempre quebrava com as mulheres com quem já se tinha envolvido. Tinha tido namoradas ao longo dos anos, casos demorados ou esporádicos, mas sempre terminava quando elas começavam a querer invadir seu peito e exigir mais dele. Lembrava que a última tivera o apoio de sua mãe e uma tentativa falhada de elevar o relacionamento para algo mais sério. Viviane queria muito Felícia como nora de um jeito tão profundo que quando Camilo se negou redondamente, foi estranho que não tivesse tido um surto como seria de se esperar. O que foi bem diferente quando Leandro rompeu com a ex mulher.

O sino da escola tocou alto e estridente, mas o barulho dos gritos alegres das crianças foi ainda maior. As corridas pelos corredores brotaram com facilidade e várias vozes encheram o lugar que ganhou vida por causa do recreio. Valquíria piscou algumas vezes ao reconhecer a figura corpulenta que se levantou e cruzou os olhos junto aos seus.

─ Camilo... ─ Disse sem esconder a admiração. ─ Você está bem? O que faz aqui?

─ Estou sim. Eu... Queria agradecer. ─ Foi directo ao assunto ainda parado um pouco afastado do corpo magro e bonito. Era uma mulher alta e com contornos delicados, sem contar com o rosto de tanta precisão que chegava a ser intimidante. ─ Não precisava se preocupar comigo.

─ Não é questão de precisar ou não. É o certo. ─ Val se aproximou ainda mais dele. Adorava o cheiro do perfume e da loção que emanava daquele homem. Engoliu em seco quando percebeu que ele não se afastou como sempre.

─ Eu ouvi você se despedindo dos seus alunos. ─ Não queria tocar naquele assunto, mas não conseguiu evitar. ─ Precisa repousar?

─ É... A médica aconselhou. ─ Colocou as mãos na barriga pequena. Procurou algum traço no rosto dele que indicasse algo, mas apenas os olhos azuis escureceram mergulhando na costumeira opacidade. Val soube que ele estava se preparando para camuflar suas emoções.

─ Algum problema? ─ A voz soou um tom mais grave.

─ Já estou a tratar disso. Não é? ─ Ela em momento algum se esquivou, mas o viu passar a mão pela barba num gesto impaciente.

─ Você sabe Valquíria que eu nunca tinha pensado em ter filhos, mas como aconteceu, eu aceitei porque era o correcto. ─ Fingia calma na sua forma eloquente de se expressar. Se fosse um político venceria qualquer eleição. ─ Acho que tenho o direito de saber essas coisas.

─ Aceitou porque era correcto.

─ Que tipo de homem seria se não o fizesse? Na verdade você fugiu naquela noite sem me deixar dizer isso.

─ E o casamento também aceitou porque era correcto? ─ Ela retorquiu.

─ Ou porque também me chantageou?

─ Não foi pela chantagem, nós dois sabemos isso. ─ Valquíria afirmou. ─ Foi porque não se deixaria abalar por mim e porque pensou que iria abalar outras pessoas.

─ Outra vez essa conversa. ─ Se fechou ainda mais, recuando dois passos.

─ Camilo? ─ Ela tocou os braços fortes. ─ E se por um segundo se deixar mergulhar em minha loucura?

GLACIAL - O Golpe Do Ano [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora