"Coração Ácido"

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As três irmãs estavam num silêncio desconfortável.

Camilo estava sentado numa poltrona onde normalmente o pai delas costumava sentar. Era toda castanha e forrada de um veludo suave com um brilho discreto a combinar com o tapete felpudo que ficava por baixo da mesa de madeira cheia de revistas, livros e várias peças de estátuas pequenas que Monalisa teve que afastar para o lado, um pouco envergonhada, para poder servir café para o visitante com a sua mão um pouco trémula e os olhos quase baixos em seu belo rosto redondo.

─ Obrigado. ─ Aquela voz de tom baixo e muito sensual podia dizer muito ou nada. Dependia de como o receptor a quisesse catalogar e havia uma comum concordância sobre como chegava a ser muito impactante.

As três irmãs estavam espremidas num sofá de dois lugares, de frente para ele que trajava um terno preto, camisa azul por dentro com os dois botões de cima abertos. O cheiro do perfume dele sobrevoava toda sala como um pássaro pelos céus, mas eram aqueles olhos aterradores e Ácidos que encaravam apenas Valquíria e ninguém mais.

─ O que quer aqui? ─ Ela perguntou sem hesitar, sentiu a cotovelada que ambas irmãs lhe deram, mas não se importou com nada daquilo, apenas tentava se manter de queixo levantado e olhos ameaçadores.

Camilo dobrou a perna esquerda sobre a direita e estendeu os braços numa posição confortável do sofá. Deixou o olhar sair lentamente do rosto de Val e seguiu pelo restante da sala de uma maneira bem analítica e não tratou de esconder isso. Na verdade aquele gesto lento e perscrutador era tão irritante como escutar Eliete devorando o que restava de seus cereais num movimento repleto de ansiedade.

─ Monalisa e Eliete, certo? ─ Ele perguntou quando terminou de avaliar a sala cheia de coisas desnecessárias. Era grande - não tanto como as da sua casa, e bonita com móveis de requinte, mas parecia existir ali alguma compulsão por objectos indevidos.

─ Certíssimo. ─ A mais velha até engoliu rápido o que estava na boca para poder responder. Se tinha comida, então estava tudo bem. ─ Nunca tive a oportunidade para agradecer as garrafas de champanhe naquela noite no Las Cruces e...

─ Ainda não disse a que veio, Camilo. ─ Desta vez foi Val que deu uma cotovelada a irmã. Podia sentir como Mona estava rígida e preocupada, diferente de Eli que não parecia temer nada.

─ Vim conhecer vocês. ─ Respondeu quase sem pestanejar. ─ Afinal vou me casar com a vossa irmã. Não é justo? Preciso saber quem são, o que fazem e onde vivem.

─ Sem hipocrisia por favor. ─ Valquíria revirou os olhos e voltou a prender a mesma sensação de enjoo, não desviou quando os olhos gélidos a encararam. Era um homem bonito e bom demais para não se revoltar com aquela situação. Havia algo de errado e era isso que queria saber.

─ Eu não sei você, Valquíria, mas a partir do momento que será mãe do meu filho e consequentemente a minha futura mulher, vamos precisar nos conhecer o pouco que seja. Foi você que exigiu um casamento com todas as pompas, então preciso saber quem realmente está a entrar na minha vida e das pessoas que mais prezo. ─ Não havia nada naquelas palavras, nem emoção ou desprezo, sequer raiva. Nada. A voz reverberava de forma prática, precisa e os olhos continuavam estáticos no lugar.

Monalisa olhou para a irmã de esguelha, mas o que viu foi Eliete a abanar a cabeça positivamente como se concordasse com as palavras do futuro cunhado. Largou a tigela vazia em cima da mesa.

─ Desculpe... Nós estamos a par da situação e sabemos que não deveria estar aqui de ânimo leve. Isso me deixa um pouco...

─ Eu sou a mais velha. ─ Eli cortou Mona com sucesso. ─ A Val é nossa caçula, sempre foi a mais arrisca. Nem acredito que cursou pedagogia, deve matar os alunos. Então a Monalisa é bibliotecária e eu tenho uma agência de viagens.

GLACIAL - O Golpe Do Ano [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora