#4-Maurice Vallar

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O digníssimo Maurice Vallar foi desde sempre figura presente em nossa casa, nos tempos de meu pai, e havia entre eles uma amizade que era quase incompreensível para mim. Enquanto meu pai fora a novidade, chegando aos catorze anos na cidade, Maurice era o garoto perfeito que todos queriam ser amigos. Sua família remotava dos primeiros bandeirantes, e tinha fortes ligações com a família Borga Alencar, nesse ponto eram iguais, apesar da animosidade que sempre teve entre a nossa família e a Borga Alencar. Mas meu pai era diferente de sua estirpe, não se importava com o que anteriormente a família pensava sobre os poderosos de São João do Maraca. Não sei dizer o porque, Maurice se tornou rapidamente amigo de meu pai, mas sem dúvida não foi pelo dinheiro, pois a família Vallar sempre teve muitas poses. Talvez ele com quinze anos já pudesse prever a parceria vantajosa em tantos aspectos que essa amizade proporcionaria para ambos. Ele foi padrinho de casamento dos meus pais, e quando nasci aprendi a tratá-lo com o respeito e afeto que um tio merece.

De muitas formas Maurice, e papai eram a dupla perfeita, quer fosse para conquistar favores de outras pessoas, ou para as viagens em família que passamos a fazer após ele se casar com a tia Lenita, um ano após meus pais. Eram jovens ricos, amigos, bem casados, e com filhos pequenos. Isso tudo somado a uma enorme parcela de ambição inteligente. Durante um tempo em minha primeira infância tudo que eu queria era ser forte e poderoso como eles eram. Isso antes de entender o real propósito de minha vida.

A filha de Maurice, Frida, era quase dois anos mais nova que eu, e desde sempre soubemos que havia uma expectativa para que no futuro nos casássemos, embora de minha parte nunca houve qualquer intenção nesse sentido. Ela era uma boa amiga, sempre por perto, mesmo quando se tornava incômodo que estivesse. Sem dúvida depois de meus pais, ela era a pessoa que mais acreditava que eu era uma boa pessoa. Então eu gostava de ter ela por perto às vezes, ouvir suas histórias malucas sobre o pessoal da escola, e até implicar por causa do seu jeito certinho de ser. Aquela garota será o símbolo da bondade juvenil já com doze anos, mas muito antes demonstrava que seria preocupada com causas sociais, e caridade, ao modelo de sua mãe.

Por muitos anos, o tio Maurice era a pessoa com quem eu sabia que podia contar quando precisava de algo que seria negado por meu pai. Era ele que intermediava os conflitos que surgiam entre mim e o meu velho. E sempre dizia que eu era como um filho para ele. Sem dúvida era alguém por quem na minha infância e adolescência nutri bons sentimentos, e nem por um segundo imaginei que ele pudesse ser uma de minhas chamadas vítimas, pelo menos não até algumas semanas após a libertação da Helga. Acho que o ato de libertar aquela garota fez com que meus olhos se abrissem, e pude ver as ondas de hipocrisia que me rodeava. E em meio a tudo isso estava os digníssimos senhores Maurice Vallar, e seu melhor amigo Ludovic Bahn, os homens que por muito tempo se mostraram como colunas da sociedade de São João de Maraca, e bons cidadãos. Primeiro foram coisas pequenas percebidas de relance, uma ou outra atitude fora do comum, mas logo eu conseguia ver com clareza que por trás de todas aquelas viagens, festas de caridade, e encontros de amigos, havia coisas repugnantes. Muito bem escondidas por trás de uma cortina de densa fumaça de caridade e bons modos.

Maurice era um homem muito pragmático, assim como o meu pai, então era óbvio que ninguém ali estava seguindo o líder, eles lideravam juntos aquela podridão. Não havia qualquer influência externa. Mas meu coração de filho me fez amolecer, e pensar que talvez com o Maurice fora de combate, o Ludovic voltaria a ser o pai que eu muitas vezes chegará a admirar. Não haveria mais viagens inexplicadas para encontrar supostos fornecedores, nem noites passadas no escritório da transportadora, ou ainda aquelas festas para ajudar crianças que seriam futuros delinquentes, tudo isso iriam acabar de vez. Papai entenderia que nosso legado familiar não era ajudar a escória, mas expurgar o mundo desse mal. Poderia ainda haver uma solução para ele.

Histórias do Chalé - Relatos de Um Sádico [Completa]Onde histórias criam vida. Descubra agora