Capítulo 8

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Chatsworth, 15 de novembro de 2017.

Minha Picinho,

Como é possível, mesmo com um oceano de distância, mesmo com nosso término, mesmo sem ter certeza do que tá acontecendo por aí, eu me sentir tão teu e te sentir tão minha? O universo conspirou bem bonito hoje, tudo me fez lembrar você.

Pra começar essa noite eu te tive e você me teve, foi aquele embaralhamento de corpos que só nós, juntos, somos capazes. Eu te senti tão aqui que acordei com meu braço dormente, como se tu tivesse dormido em meu peito. Acordei duro também, duro de saudade de você e, por mais estranho que pareça, rindo, ou melhor, as gargalhadas, porque olhei o meu estado e sua voz surgiu clara em minha mente. "Meu bem, trocar microfone". Ainda tava escuro e eu agradeci aos céus por agora termos as divisórias. É isso mesmo que tu entendeu, não tenho vergonha de dizer, jamais terei vergonha de dizer que gozei pensando em ti, gozei imaginando seus gritos, sussurros e gemidos, gozei lembrando de sua voz gritando meu nome quando era tua vez de gozar. Só uma coisa não foi boa, tive que gozar calado quando minha vontade era de gritar seu nome tão alto e tão forte, que tu aí do outro lado do oceano me ouviria. E tu bem sabe, nenê, eu odeio gozar calado. Foi tão real que eu senti em minha boca o seu gosto, que seu cheiro me tomou o corpo. Ah, que saudade do seu cheiro depois de nossas transas, um misto de suor e sexo.

Melhor eu mudar de assunto senão vou ter que te achar em algum lugar nos meus sonhos, e te ter novamente. Com força, do jeitinho que tu gosta. Parei, senão não dou conta de acabar essa carta e, o que tenho pra dizer, é muito importante.

Hoje é o meu dia de folga, coincidentemente, é feriado aí no Brasil e, mais coincidentemente ainda, hoje foi o meu dia de Wi-fi. Chuma e Manu também estavam de folga e ontem na hora do jantar, eu estava comentado sobre o feriado de hoje no Brasil e, indiferente de onde eu estivesse, sempre tinha um churrasco e como eu sentia falta de fazer um churrasco gaúcho. E olha, os Sul Africanos se acham os reis do churrasco, ou Braai como eles chamam aqui, mas é basicamente bife de chuleta e linguiça, sal grosso nem pensar, e é bem temperada a carne, e a pior parte pra mim, eles esperam tudo ficar pronto pra comer. É bom, mas eu tava com saudade de encarar um fogo de chão, uns espetos longos, uma peça inteira de picanha.

Nenê, tu não vai acreditar, os caras rodaram a cidade, conseguiram uma permissão do administrador, trouxeram os espetos, o sal grosso, a carne e muita lenha. Eu montei um fogo de chão, coloquei a bota, a bombacha e, em homenagem ao dia de hoje aí, uma camiseta do Brasil. Foi maravilhoso. Eles riam da minha forma de fazer a carne, me chamavam de maluco, o Peter, te falei sobre ele e a esposa, os moçambicanos que chegaram aqui semana passada, o cara é uma figura, catou um violão e começou a cantar uns Rock's antigos, as crianças estavam loucas com o fogo, com a "festa" do Brasil. Eu me senti em casa, pela primeira vez aqui, me senti em casa. Ah! E elogiaram bastante meu churrasco, disseram que é bom, não é melhor que o deles, mas é bom. Bem capaz!

É claro que o churrasco foi regado a muita cerveja, é claro que eu bebi bastante, é claro que falei um monte de bobagens, é claro que contei para os caras a nossa história, e, é claro que chorei ao contar. Falando assim parece até meio triste, mas não foi, nenê, foi lindo contar nossa história, acho que foi a primeira vez que contei com amor, sem censura, só com sentimento. E, enquanto contava eu revivia nos momentos felizes e os não tão felizes também, mas com leveza, sem raiva, sem rancor, sem mágoa. E quando chorei, foi de saudade. Malik, sempre ele, né? Veio para o meu colo e me consolou. Expliquei a ele que não tava triste, que estava com saudade de ti, saudade do meu picinho. Ele sorriu e me abraçou forte. O que esse guri falou pra mim, tu não vai acreditar.

"Malik me abraça com força, com toda a força que um guri de 5 anos pode ter. Beija meu rosto e depois me olha nos olhos.

- Meu Dotô chora muito. Meu Dotô chora mais que Malik. - Sua pequenas mãos enxugam minhas lágrimas enquanto os demais adultos presentes param encantados com a cena. - Malik precisa levar o Dotô para jogar fora a tristeza. - Eu o aperto em meus braços até ele reclamar.

Enquanto não volto pra vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora