Capítulo 9

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Chatsworth, 18 de novembro de 2017

Picinhoooo,

Como você está? Eu sonhei com você, tá, isso não é novidade, eu sei, tem acontecido quase todas as noites. Mas o sonho de hoje foi diferente. Eu tentava te alcançar e tu corria de mim, mas não estava sozinha, corria de mãos dadas com uma criança, tava chovendo e eu não conseguia ver como era a criança, ela usava uma capa vermelha que cobria seu corpo inteiro, eu só ouvia a gargalhada infantil. Você olhava para trás sorrindo, mas não parava de correr. Eu te gritei, gritei, implorei, mas tu não parou. Eu fui acordado pelo parceiro que dorme ao lado, levei um puta susto, ele disse que eu tava gritando algo. Eu me desculpei e agradeci a preocupação. Eu sabia o que estive gritando, estive gritando por você. Contei o sonho para o Manu, todos aqui contam seus sonhos para o Manu, ele é uma espécie de tradutor de sonhos, foi estranho, muito estranho. Enquanto eu contava o sonho, Manu segurava uma das minhas mãos e com a outra fazia movimentos circulares em minha têmpora, a uma certa altura eu queria rir, mas sei como ele leva sério essa "vocação presenteada pelos céus", então me mantive firme. Ele me disse que meu sonho tinha sido bom, um sinal de meus esforços serão recompensados, que eu me preparasse para receber uma inesperada notícia de longe e que eu ainda estava em estado de contradição em relação aos meus sentimentos. Nenê, eu só foquei nas notícias inesperadas, a primeira pessoa em que pensei foi em você e me bateu um aperto no peito. Eu queria tanto saber de ti, de verdade, não pelo IG ou TT. Pensei em ligar para o seu pai hoje, ou para sua irmã. Mas não o fiz, claro que não fiz. Então, fiz, o que pensei ser, minha jogada de mestre.

"Quando Manu viu minha agonia por conta de sua interpretação de meu sonho, principalmente sobre a parte da notícia inesperada de longe, ele trocou comigo o dia de Internet livre e me passou a sua senha para que eu pudesse ligar pra casa. O agradeci com um abraço apertado.

- Ainda me impressiona a facilidade com que tu lê as pessoas, Manu. Obrigado, eu realmente fiquei preocupado agora. Eu não falo com minha família desde que cheguei aqui.

- Eu sei Doutor. A sua cura é muito mais profunda do que você imagina, mas não se preocupe, tá tudo bem na sua casa. Eu tenho certeza. - O olhei admirado, eu nunca falei da minha família, eu pouco falo da minha família. - Você está aprendendo o amor incondicional, quando estiver firme em seus sentimentos será capaz de entender e de dirimir todas as dúvidas que carrega no peito.

- Obrigado, Manu. De verdade. Obrigado. - O abracei mais uma vez e fui em direção ao dormitório, queria ter privacidade ao ligar e a internet seria liberada em menos de dez minutos.

O sinal toca e o aviso de senhas liberadas é ouvido por todo o acampamento. Cálculo a diferença de horas, no Brasil são cinco a menos, e com o horário de verão, quatro, pelo horário minha mãe deve estar em casa. Abro o celular no aplicativo de mensagens e ligo.

- Marcos? - A voz da minha mão é de total surpresa.

- Oi mãe, tudo b... - Não consigo terminar a frase.

- Ai, meu filho, porque demorou tanto pra ligar pra nós, se não fosso o Juliano não teríamos notícias suas. Essa sua mania de sumir pelo mundo é horrível. A gente fica preocupado guri...

- Mãe... - A interrompo. - Tá tudo bem, mãe. As coisas aqui são bem agitadas... - Ela me interrompe de novo.

- Mas Marcos, tu sabe que tua mãe se preocupa contigo, teu pai também, é tão difícil assim ligar, dois minutinhos, uma vez por semana.... - Respiro fundo e fico ouvido o discurso de dona Enilda por pelo menos cinco minutos, quando ela resolve parar de falar eu volto a tentar conversar. - Marcos, tu tá aí, tu não desligou, né?

Enquanto não volto pra vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora