Capítulo 26

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Sábado - 10 de Março

Meto a mão no bolso e abro mais uma vez a caixinha vermelha, perfeito, simplesmente perfeito. Essa palavra, PERFEITO, tem sido a única descrição que posso dar ao último mês. Perfeito e corrido, muito corrido.

O documento redigido por meus pais aceleram o processo, então, uma semana depois de o enviarmos, o juiz marcou uma audiência de entrevista, comigo, com Malik e com meus pais. Foi uma correria organizar tudo pra conseguirmos estarmos todos na África na semana seguinte.

Minha irmã estava na casa da minha mãe, por conta da Maria, a Emilly enorme, mas no final deu tudo certo, com a ajuda e o apoio de todos conseguimos organizar. A Emilly não poderia ficar sozinha e a primeira solução seria ela ir pra casa do Volnei, só que a Carol também não poderia, então a solução foi a Emilly ficar na casa dos meus pais, com a Carol, mas precisávamos de mais alguém por lá, a Mayla se ofereceu e assim ficou tudo resolvido.

A entrevista foi demorada, apesar de o juiz falar inglês fluente, meus pais não falam, Então foi necessário um tradutor presente, de confiança do juiz, eu não serviria. Ele quis saber de tudo, desde como criaram eu e minha irmã, até a condição financeira, deles e minha. Quis saber detalhadamente como foi meu envolvimento emocional com Malik, como eu daria conta de uma criança de cinco anos e da minha profissão, questionou também a minha falta de residência fixa, eu respondi tudo, esperei alguma reação do juiz, mas ele se manteve sério, nem uma escorregada, nem uma ameaça de sorriso.

O último a ser entrevistado foi o Malik, ele não esteve presente antes, nas nossas entrevistas, mas nos foi autorizado assistir a dele. O advogado explicou que o juiz faz dessa forma pra entender melhor a relação entre a criança e quem está pedindo a adoção.

Malik foi perfeito, aliás, de todos, ele foi quem se saiu melhor.
Ao entrar na sala já correu na minha direção e se jogou no meu colo. O juiz pediu que ele se sentasse mais próximo dele, ele então levantou, pegou minha mão e me puxou junto.

- Vem, pai, o seu Juiz quer que a gente fique perto. - seu português está bem fluido e tem um pouquinho de sotaque de Portugal, o que deixa sua fala mais charmosa.

Eu olhei para o Juiz, meio na dúvida é só fui quando ele acenou com a cabeça. As perguntas, em Africâner, me dificultavam o entendimento, mas o tradutor que estava ao meu lado traduzia em voz baixa cada pergunta e cada resposta.

O juiz foi bastante delicado e carinhoso com meu guri, até sorriu pra ele, mas quem não sorri pra Malik, é difícil não o fazer diante da leveza e sinceridade com que ele lidou com as perguntas. O juiz explicou as possíveis dificuldades que ele poderia ter com a mudança, o afastamento dos amigos, da nova escola, a diferença cultural e de linguagem. Malik sorria e respondia daquela forma doce. Ele só ficou sério na hora da linguagem, colocou os bracinhos na cintura e disse com bastante propriedade, em português.

- Eu falo o português e falo bem direitinho. - Assumo que eu precisei controlar o riso e acho que o juiz também.

As próximas perguntas foram sobre a nossa relação. Malik contou tudo, tudo mesmo e com detalhes. Contou de quando ele fugiu, de quando me mandou eu voltar pro Brasil pra ver a Emilly, que é claro ele chamou de Dotoa, contou que rezamos todos os dias juntos, mesmo quando estou no Brasil.

Contou que a Emilly tá grávida e que ele queria ver o irmão nascer. Nesse momento o juiz me pareceu bem surpreso e perguntou sobre esse irmão, se ele não achava que poderia ser difícil dividir com ele o meu amor, e Malik, sem nem piscar, respondeu sorrindo.

- Dividir? Amor não divide, amor junta. Né, pai? - Eu só balancei a cabeça, meus olhos, claro, umedeceram no mesmo instante.

O juiz pediu que Malik saísse com meus pais, dispensou o tradutor e os advogados, queria uma conversa de homem pra homem, palavras dele.

Enquanto não volto pra vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora