187 dias.

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Tudo começou há ano. Numa manhã comum, eu acordei e fui fazer a barba, quando percebi, havia sangue escorrendo na pia do banheiro. Pensei que tinha me cortado, mas olhei a pele no espelho, e nada. Foi quando eu notei que o sangue escorrendo era das minhas narinas.

Como qualquer outra pessoa faria - pelo menos eu acho que faria - eu continuei com o meu dia. Não dei importância. Três dias depois do ocorrido, comecei a sentir fortes dores nos ossos da minha perna. Não conseguia levantar da cama, e foi quando tudo piorou.

Então há um ano, eu venho lutando contra o meu próprio corpo, contra a minha própria natureza. Se a vida tem um propósito com isso tudo, eu não sei. Mas eu gostaria de entender.

Agora estou aqui, um ano depois, recusando tratamento e sendo tratado que nem uma criança, por duas mulheres. Uma, é minha mãe. Que fez aquela volta dramática de novela mexicana, apoiando o filho e dizendo que não sairia do meu lado. Ok.

A outra era Donna. Donna. Um nome e um título em um só, como ela mesma costuma dizer. Eu acho que a única coisa boa ou de extrema importância que Lily fez por mim, foi trazer Donna para as nossas vidas.

•••

Bom, a primeira semana de Donna Paulsen, a ruiva que atormentava meus sonhos à noite, e pela manhã cuidava da minha saúde, estava indo bem.

Descobri que além de linda, ela também é teimosa, tem uma personalidade forte e uma delicadeza que qualquer pessoa se derreteria ao toque. Meu pai estava apaixonado pela mulher, modo de dizer, claro. Minha mãe, só faltava limpar o chão que ela pisava. E eu? Eu prefiro não comentar.

Com a recusa ao tratamento, eu tinha plena consciência de que minha doença avançaria, mas não sabia que seria tão rápido. Eu estava começando a ficar com medo for real.

- Hora do seu remédio. - Donna entrou no meu escritório, me tirando dos meus pensamentos. - Nem adianta revirar essas olhos pra mim, eu disse que ia cuidar de você! - Ela disse com um sorriso nos lábios.

- Eu nem cheguei a revirar os olhos! - Respondi. Como ela fazia isso? Adivinhava sempre meus pensamentos e movimentos, apenas com um olhar.

- Ah, mas iria. - Ela apontou pra mim, como uma professora faz com um aluno. - E antes que você pergunte como, apenas lembre-se: I'm Donna. I know everything. - Eu rio dela. Ela tem esse poder, transformar esse fim de vida numa dádiva diariamente.

- Leite? Sério? - Perguntei com nojo. Eu odeio leite.

- Ajuda. Esses remédios são muito fortes e fazem mal para o estômago. O leite ajuda amenizar, além também de mascarar o gosto do comprimido. - Ela me entregou o copo em uma mão, enquanto que com a outra segurava os três comprimidos que eu teria que tomar.

- Ninguém merece. Agora sim me sinto uma criança. Tomando leitinho. - Digo irônico.

- Uma criança resmungona. Isso sim. Geez... - Ela coloca a mão na cintura, me encarando, esperando que eu tome os comprimidos. Engulo os três. Tento não fazer careta, mas ela sai espontaneamente. Donna ri. E não achei que poderia existir som mais bonito.

- Desculpa. - Ela passa a mão no cabelo, nervosa, eu acho. -  Não tinha intenção de rir.

- É bom saber que alguém está se divertido com isso tudo. - Respondo dando de ombros. Mas no final, também sorrio.

- Não estou me divertindo. - Ela ficou série de repente. - Apenas acho engraçado que você tem tudo para poder evitar esses remédios, mas prefere não fazer. Você sabe que o tratamento seria muito mais efetivo, não sabe? Os comprimidos apenas existem para amenizar a sua dor. - Ela elucida, se sentando na beirada da minha mesa do escritório. Eu quase perdi a respiração quando o vestido que ela usava, subiu conforme ela sentou.

The EndOnde histórias criam vida. Descubra agora