"Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro". (Fernando Sabino - O Encontro Marcado)
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A tempestade se aproximava enquanto eu fitava o horizonte além do abismo aos meus pés. Eu não sabia como tinha chegado ali, de onde tinha vindo ou para onde estava indo, mas fui impedido de seguir pela enorme e profunda ravina que me separava do outro lado. As nuvens, carregadas de eletricidade, estavam expressando toda sua raiva através dos raios e trovões, a ventania começava a soprar com muita intensidade. Em umas das rajadas de vento eu caí no precipício, achei que toda a minha esperança tinha acabado e não havia mais jeito, até que senti a mão de Henry me alcançar e segurar-me pelo braço. Ele tentava me puxar, gritando de desespero para que eu não caísse, e eu me segurava com tanta força que meus dedos estavam começando a adormecer.
Olhei para baixo e vi o abismo se tornar mais profundo, perdendo o fundo de vista, o que me deu a sensação de que eu iria cair eternamente sem alcançar nenhuma superfície. Henry já estava ficando sem forças, mas numa última tentativa ele começou a me puxar enquanto as veias de seu braço saltavam, indicando a força sem medida que ele estava usando. Eu já havia conseguido me apoiar em uma pedra firme na parede de terra, eu estava conseguindo subir, eu ia conseguir me salvar.
Mas num instante um bando de pássaros de penas azul-escuro, quase preto, começaram a nos rondar, eu jurava que dava para escutá-los sussurrando palavras confusas e soltas. As criaturas voavam baixo e começaram a passar em nossa frente, meu maior ponto de segurança ainda era a mão de Henry me segurando, que foi bicada por um dos pássaros furiosos. Porém, Henry aguentou e não me soltou, mesmo com a sua mão esvaindo sangue. Eu sentia o líquido vermelho escorrer pelo meu braço, quente e viscoso, passando pelo meu ombro e encharcando meu peito.
As criaturas aladas estavam se revoltando cada vez mais, arrancando pedaços meus e de Henry sem piedade, mas nós resistíamos e nos mantínhamos firmes, tirando forças sem saber de onde, apenas suportando. Banhado em sangue, eu não enxergava mais nada, só sentia aquela mão me segurando, o bolo na garganta parecia me sufocar, a tempestade continuava a se aproximar, o caos me consumindo. Até que uma das aves deu o último golpe, arrancando um dos dedos de Henry, fazendo com que ele me soltasse e gritasse de dor física e emocional.
E eu caí, aceitando o meu destino, despencando sem saber quando iria ser parado, o vento secando todo o sangue que estava grudado na minha pele. O chão não me deixava senti-lo, ia se abrindo para a minha passagem e a agonia da queda com a ansiedade presa na garganta, as feridas abertas sangrando, a dor de nunca mais ver Henry, tudo isso culminou no meu despertar. A fronha do travesseiro estava embebida de suor, eu levantei de repente, assustado, e respirei fundo, me certificando de que eu realmente estaria no meu quarto.
Pisquei os olhos algumas vezes e as cenas ainda estavam muito presentes. Meu coração batia como um cavalo galopante, num ritmo acelerado que estava me incomodando. Henry dormia sereno ao meu lado, continuou com a sua respiração leve e tranquila. Levantei da cama e desci as escadas para tomar um copo com água na cozinha. Como eu já morava na casa há muito tempo, conseguia andar sem nenhuma luz, pois já havia decorado os caminhos, somente a luz da lua fazia algumas sombras dentro dos cômodos.
Ao fechar a geladeira, o copo de água na mão, senti um frio na espinha, a nuca arrepiou. Eu olhei ao redor, mas não enxergava muita coisa no escuro. "Henry?" indaguei para o nada, sem obter resposta, mas eu sabia que tinha alguém ali, eu conseguia ouvir sua respiração, mesmo que bem baixinho. Peguei uma das facas dispostas no suporte em cima do balcão e a estendi na minha frente. Resolvi abrir a geladeira para ter qualquer luz, já que o interruptor estava longe, mas não enxerguei ninguém, mesmo ainda sentindo uma presença.
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Ben & Henry [FINALIZADO]
RomanceBen Summers está em turnê fazendo marketing para o seu novo filme, em conjunto com seu colega de atuação Henry Scott. Após um pequeno imprevisto, Ben se vê em uma situação que o leva a fazer uma escolha inesperada. Agora, junto com Henry, ele terá...