Uma manhã fui ao médico do meu pai.
Ele disse:
“Os exames pioraram”.
Eu perguntei:
“Os novos remédios não adiantaram, não é?”.
“Infelizmente, não”, ele respondeu.
Levantei da cadeira e apertei o pulmão.
Assim prendia o ar e não começava a chorar.
Voltei para casa e fui direto para o quarto.
Só queria dormir,
colocar o travesseiro no rosto
e acordar três meses depois.
Mas acordei no meio da noite.
Já era madrugada, a noite estava fria,
quando o vento abriu a janela
e um anjo entrou na minha vida.
Eu estava ali sozinho,
deitado com o coração em pedaços.
Olhei pra ele e disse:
“O que você veio fazer aqui?”.
O anjo: “Você está chorando?”.
Eu: “Há quatorze meses, todos os dias,
antes de dormir, deixo uma lágrima cair”.
O anjo: “Você não pode desistir”.
Eu: “Não vou, acredite. Você veio levar o meu pai hoje?”.
O anjo: “Não”.
Eu: “Quando?”.
O anjo: “Vai acontecer em breve, tá?”.
Eu: “Vai doer?”.
O anjo: “Não”.
Eu: “Por favor, me leve no lugar dele”.
O anjo: “Não posso escolher quem levar deste mundo”.
Eu: “Então, o que você veio fazer aqui?”.
O anjo: “Estou aqui para lhe contar...”.
Eu: “Desculpa interromper.
Eu sei que uma hora a música termina
e um dia a vida acaba.
E apesar de saber de tudo isso,
eu nunca estou preparado para nenhum dos dois”.
O anjo: “Você precisa se despedir”.
Eu: “Tá bom”.
Levantei da cama, abri a porta do quarto
e enquanto eu percorria aquele corredor,
me vieram todas as lembranças do meu pai.
Encostei na parede, ouvi um longo silêncio,
e eu pude ouvir a batida do meu coração
e as lágrimas continuaram caindo no chão.
Continuei andando e abri a porta.
Meu pai estava dormindo.
Coloquei a mão no coração dele e,
às 3h47 da madrugada, eu disse:
“Ei, pai. Sou eu, Ique. Vou falar bem baixinho
pra não interromper o seu sono.
Olha, estou com um problema aqui.
Um anjo entrou no meu quarto e não me deixa dormir.
Eu nunca vou poder contar isso pra ninguém.
Nesse mundo, quem acredita no amor ou nas estrelas
é louco ou bobo.
É uma pena.
Mas ainda bem que sempre quando eu queria desistir,
você dizia: ‘Meu filho, respire. O amor existe’.
Sim, ele existe. Você me ensinou isso.
Não há nada que eu possa dizer.
Apenas agradecer.
Foi maravilhoso ter um ao outro.
Te colocar na cama todos os dias e fazê-lo dormir.
Desculpe a cosquinha no nariz. Era pra fazê-lo sorrir.
Foi maravilhoso ter um pai que nunca deixou
a doença vencer a crença.
Que mesmo doente dizia:
‘Bom dia, dê um sorriso e viva’.
Foi maravilhoso ver que uma cadeira de rodas
não pode impedir alguém de dançar, sonhar e amar.
Foi maravilhoso compartilhar seus textos no blog
e receber milhares de mensagens
de completos desconhecidos dizendo:
‘Eu amo o seu pai’.
Foi maravilhoso viver o mais bonito do nosso duplo infinito.
Sou muito grato por tudo isso”.
Comecei a chorar.
E antes de encharcar o pijama dele,
dei dois passos para trás e, às 4h07 da madrugada,
saí e fechei a porta.
Voltei para o meu quarto e deitei na cama.
O anjo abriu a janela e, antes de partir, disse:
“A dor passa. Mas a saudade...”.
Apertei o pulmão algumas vezes, fechei os olhos e disse:
“A saudade fica pra sempre
quando a pessoa que você ama
vira estrela cadente”.