Cronofobia

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[ALERTA DE GATILHO]

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[ALERTA DE GATILHO]

Desejamos informá-los que este conto possui cenas de violência gráfica e maus tratos.
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O velho abriu os olhos pouco a pouco. Sua visão embaçada dificultou que percebesse quem estava ali: era Glorinha! Há algumas décadas, ele faria piada sobre a mulher ter saído de dentro do seu armário, mas agora a alegria já não habitava aquele corpo podre que mal respondia seus estímulos. Tentou se levantar, mas sua carcaça estava pesada. Tão pesada quanto os fartos seios de sua amada, agora caídos pela ação do tempo.

Já que não podia ir até ela, ela iria até ele. E iria em forma de som. Com extrema dificuldade, o senhor fez seu pedido especial:

— Canta pra mim, Glorinha!

A voz de sua musa era doce como as goiabas que comiam escondidos quando eram apenas dois jovens. Um sorriso surgiu em seu rosto devolvendo vida aos lábios murchos enquanto a via abrir a boca para encantá-lo uma última vez. Pena que a doçura se esvaiu em meio àquela contagem macabra:

Um, dois, três, quatro. É melhor não ficar no quarto

Cinco, seis, sete, oito. Chegou sua vez, não seja afoito

Nove, dez, onze, doze. Provar seu medo nunca foi tão doce

Treze, quatorze, quinze, dezesseis. A morte diz olá outra vez

Dezessete, dezoito e dezenove. Tente fugir enquanto pode

Resta o vinte no final. Sua alma agora pertence ao mal

— Acorda, seu Elias!

A voz esganiçada de Beth despertou o homem para a realidade. A moça, contratada por suas filhas para cuidar dele, o ajudou a levantar da cama. Aquela não era a primeira vez que vivenciou tal experiência. Na verdade, ela tornou-se rotina depois que soube da morte de seu amigo Clemente. Era quase tão claustrofóbica e agonizante quanto o barulho que sua jovem cuidadora fazia ao mascar aquele maldito chiclete.

Um pouco impaciente, Beth acompanhava o pai de suas patroas até a cozinha para o café da tarde. Elias dormira tão bem que nem notou a passagem do tempo. O final do dia não era agradável para o velho, já que anunciava que a noite estava por vir. Ele estava sentado à mesa enquanto ela abria a geladeira. Pegou um pouco de leite e margarina para passar em um pão dormido. Pegou também o adoçante para o café do idoso.

— Eu tive aquele pesadelo de novo, Beth...

— É?! — Respondeu enquanto digitava no celular.

— A minha Glorinha... ela virava aquele bicho — Sua espinha gelou naquele momento.

— Caralho! Você quer que eu segure pra você, cara?! Meu Deus! — Ela respondeu imediatamente quando o velho derramou um pouco de café na mesa.

São Tadeu (Vol. I) Onde histórias criam vida. Descubra agora