O Amargo Chá das 15h (Especial de Páscoa)

34 9 20
                                    

[ALERTA DE GATILHO]

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

[ALERTA DE GATILHO]

Desejamos informá-los que este conto lida com o tema de abuso infantil.
_________________________________________


Fora dos muros e grades do condomínio Golden Hour, mais uma última semana de março corria. Não seria tão especial se não fosse a semana de páscoa daquele ano. Entre o silêncio das casas pagãs esvaziadas pelo feriado prolongado e o agito peculiar das casas abençoadas pela união familiar, a expectativa pairava pelo ar. Para muitos, era uma expectativa de renascimento espiritual, para outros, uma oportunidade de fuga da rotina estressante.

Para Miguel, era apenas a expectativa de poder sentir o doce sabor do chocolate.

Poucas foram as vezes que o garoto pôde apreciar esse doce, na maioria delas, eram apenas restos dos outros que encontrava nas ruas. A única vez em que realmente conseguiu degustar o cacau açucarado foi quando ganhou um caixa de bombons de umas moças bonitas que ajudavam famílias como a dele. Afinal, o dinheiro das latas de alumínio não era suficiente para que seus pais lhe dessem tal luxo. Nunca compreendeu o porquê disso.

O coelhinho da Páscoa sempre visitava todas as outras crianças, mas nunca ele. Até que um dia, aconteceu.

Naquele dia, trouxe consigo o tão esperado prazer. Aquele era o seu momento e foi nele que aprendeu que as coisas só apreciam a quem elas pertencem. Ou pelo menos foi essa a impressão que teve quando passou mal logo após comer todos os bombons que ganhou.

De qualquer maneira, havia encontrado o tal coelho. Assim como a pequena Bia, ele havia encontrado.

As outras Páscoas da garota foram igualmente fartas, porém não completamente felizes. Sempre houve uma sombra que rondava os olhos da gente grande que lhe cercava.

Principalmente o titio.

Todos os anos, a família vinha até sua casa para o almoço. Salmão era o cardápio tradicional, e durante a sobremesa, as crianças podiam finalmente abrir seus belos ovos de Páscoa. Mas diferente dos outros, Bia sempre ganhava um segundo ovo. Esse era um pouco menor e mais discreto, afinal, não seria bom causar inveja aos seus irmãos e primos. Mesmo assim, era quase certo que seu tio sempre traria o segundo ovo.

Aquilo acontecia há algum tempo. Ela sempre amou chocolate então por mais que parecesse estranho, sempre consentia quando seu tio a tocava e dava um segundo ovo de Páscoa se mantivesse aquilo em segredo. Mas com o passar do ano, a situação tornou-se incômoda. Por mais doce que fosse o chocolate, o prazer deixava de existir um pouco mais a cada vez. Pensou em contar para alguém sobre o que acontecia, mas o moço carinhoso que lhe abordara há anos agora era um homem tenso e agressivo.

Então Bia apenas voltava para a mesa e negava os bombons que lhe ofereciam, afinal, já estava satisfeita. Ou pelo menos era assim que o tio dizia que a faria se sentir.

Agora, longe dessa realidade, ela realmente estava satisfeita, assim como Gustavo também estava.

Diferente de sua amiga, a vida do garoto não era tão próspera assim. As coisas nunca chegaram a faltar como para Miguel, mas não eram tranquilas como eram para Bia. O almoço sempre era garantido e até mesmo alguns doces, mas a liberdade era o que faltava. A família também se reunia ao redor da mesa, os homens também se embriagavam de cerveja e as mulheres também os aguentavam falando besteiras como na maioria das famílias tradicionais.

Mas não sua mãe.

Ela era uma mulher de pavio curto e não tolerava ouvir piadinha de macho escroto. Isso seria uma virtude se o seu desgosto não a torna-se tão escrota quanto os homens de quem reclamava. A cada minuto, um sermão:

Segura esses talheres direito!
Senta que nem menino!
Engrossa essa voz!

E em meio ao torpor familiar, vovô dizia que ela o criava para ser um viadinho. E lá se iam os parentes e a certeza da dor vinha para substitui-los. O cinto de couro pesava em suas pernas e a cada grito, Gustavo se perguntava o que havia feito de errado.

Felizmente não havia erros na toca. Não. Não havia tristeza, nem faltava chocolate e também não havia familiares indesejados. A dor nas pernas não era pelo cinto, mas sim pelo tempo em que brincava no balanço. Miguel não precisava comer doces até vomitar, porque os doces nunca acabavam. Bia não precisava guardar segredos na toca. A vida era mais fácil por lá.

E assim foi por uma semana até o domingo de Páscoa.

O coelhinho da Páscoa era legal e avisou a semana inteira para que as crianças não chegassem perto da saída, pois monstros cercavam o local. Criaturas ruins que queriam destruir aqueles pequenos sonhos. Ele passou todo aquele tempo esperando por eles e não deixaria que ninguém lhes fizesse mal outra vez.

Mas naquela tarde, ouviu rumores de que os monstros queriam entrar na toca encantada. Não havia mais saída.Os adultos e os homens de farda chegaram tarde demais. Eles se atrasaram para o amargo chá das três, que levou o coelhinho e as crianças para um lugar melhor.


[MENSAGEM DA FAMÍLIA GOLDEN HOUR]

Desejamos convidá-los a deixarem seus votos e comentários neste capítulo afim de ajudar a espalhar a mensagem.

São Tadeu (Vol. I) Onde histórias criam vida. Descubra agora