Ele Gosta de Ser Vigiado

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Seus passos ecoavam pelo inóspito túnel de vitrines. Para ele, ir até o local era a ideia mais estúpida que poderiam ter. Mais uma vez foi contestado com a frase "é o que diz o manual de conduta". Talvez fosse apenas mais uma mancha nas câmeras como a da semana passada. Talvez fosse o temido fantasma da loja âncora.  O fato é que, ao chegar na praça de alimentação, se deparou com a pior das hipóteses: realmente havia alguém ali.

O indivíduo estava sentado de costas para o acesso que levou Caio até ali. Havia algo estarrecedor nos contornos de sua fixa silhueta. Cabelos lisos e pretos como a escuridão acima de um estreito pedaço de pele branca que delineava seu pescoço. O frio que emanava daquela figura aos poucos congelou Caio. Pensou em acionar a central, mas temia o que o barulho do rádio poderia causar naquela situação. Paralisou. O calor esvaiu-se de suas mãos, e suas pernas já não pareciam sustentar seu corpo. Precisava agir. Juntou todos os estilhaços de sua coragem para dizer:

– Boa noite, senhor! Preciso que se retire, acabou o horário comercial.

– A solidão é assombrosa, não é? – As palavras atingiram seu estômago como um soco gelado. Havia dezenas de câmeras vigiando os dois, e ainda assim ele sabia que aqueles que estavam na central provavelmente caíram no sono. Ele poderia simplesmente usar a coerção, mas algo maior o fez dialogar: seu medo.

– Eu acho, senhor. Se você também acha, não deveria estar aqui sozinho a essa hora.

– Mas eu não estou – deixou escapar um riso abafado que ecoou sobre as mesas. – Você está aqui comigo. Mas antes de você chegar, já havia alguém aqui.

– Central na escuta? – o barulho do rádio ecoou.

– Por que você deixa ele aqui sozinho, Caio? – Uma gota gelada desceu por seu rosto ao ouvi-lo dizer seu nome.

– Central na escuta? Preciso de reforço na praça de alimentação três. Repito: reforço na praça de alimentação três com urgência.

– Não se apavore, ele jamais lhe faria mal – continuo a figura estática.

– Quantos vocês são? Hein? – gritou. – Tão achando isso engraçado, é? Apareçam!!!

– Caio, Caio... Você deveria prestar mais atenção ao seu redor – desesperado, o guarda olhou para todos os cantos com a arma em mãos. – Não apenas olhar, mas... quem sabe... tentar conhecer... – o homem branco se levantou.

– Parado aí!!! Não se mexa ou eu aciono a polícia!!!

– Sabe... Todos os dias pessoas veem e vão nesse lugar. Todos os dias olham para ele. Não com amor ou empatia, nem com o mínimo desejo de conhecê-lo. Apenas pela necessidade, pela ânsia. E quando a necessidade acaba, essas pessoas deixam de olhar. Soa familiar?

– Central na escuta?? Acordem seus filhos da puta!! Tem uma merda feia acontecendo aqui.

– Não! Porque você é um deles, Caio! Não percebe o quanto isso é ruim? Milhares de olhares vazios dia e noite. E de madrugada... frio e solidão.

– Que porra é essa cara? O que você quer, hein?

– Eu? Nada... Já ele, só quer ser vigiado, Caio. Olhe para ele!

Guiado pelo braço que estendeu-se no meio do escuro, um barulho soou na praça de alimentação. Um dos restaurantes mais requisitados chamava o pedido 666 em sua tela.

São Tadeu (Vol. I) Onde histórias criam vida. Descubra agora