Favos de Medo

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Mesmo com as janelas fechadas, a poeira fazia morada em todos os espaços possíveis da caminhonete. Quase toda a área estava mais organizada após a chegada dos novos vizinhos, exceto pela estrada, a velha e única estrada para casa. A poeira aderia ao suor que escorria pelo rosto. O incômodo amigo também descia pelas nádegas peludas que quicavam a cada buraco por onde o veículo passava. A voz na rádio dizia "onde quer que vá, o que quer que faça, estarei bem aqui esperando por você". Decerto, eram belas palavras, mas apostaria todas as suas colmeias que tais coisas não seria ditas a ele ao verem sua situação.

Ao abrir a porta, o frescor noturno invadiu seu corpo. Talvez não o tivesse feito antes pelo calor do próprio carro ou da roupa de proteção. As folhas do milharal roçavam umas nas outras produzindo um som estranhamente agradável. Mas a mesma brisa que atiçava as plantas não era forte o suficiente para balança-las com tanta força...

Algo corria entre as espigas.

Como aquela besta ultrapassou o muro da vizinhança?

A disposição para persegui-la era pouca, talvez seguir pela estradinha fosse melhor, mas não sem antes sacar sua espingarda.

E assim começou a andar em círculos pela vegetação.

A cada metro que avançava, parecia estar mais próximo. Com pouco tempo e muita sorte, conseguiu achar o maldito e preparar a arma.

Mas o som cessou...

Usou o cano da bandida para fuçar  o mato, mas nada encontrou. Só depois de alguns minutos de silêncio absoluto que sentiu falta de uma melodia que já era mobília daquele cenário: o zumbido de suas abelhas. Começou então uma corrida contra o tempo, se é que o tempo ainda existia àquela altura  dos acontecimentos. Procurou por um de seus enxames apenas para saber o que já tinha certeza — nenhuma abelha estava lá, assim como no final do verão de noventa e um...

A manchete era capa do jornal naquele dia:

A VOZ DO POVO É A VOZ DE DEUS?

Apicultores de São Tadeu e região se defendem após confirmação de vários mortos vítimas de picadas de abelhas.
A situação dos profissionais piorou  após a popularização da lenda sobre uma criatura sanguinolenta que supostamente despertaria em períodos de vinte e sete anos. Segundo relatos, o alvoroço das abelhas seria um sinal do despertar da besta.

Percebeu que aquilo não se tratava de uma das simples criaturas que habitavam o morro ao lado. O inimigo era algo terrivelmente pior a ponto de fazê-lo utilizar o terço que guardava de baixo da camisa xadrez. As orações continham o tempo necessário para sair dali e assim o fez.  Entre rezas e lamúrias, Clemente agilizava seu destino ao correr para casa. Era um homem simples, não precisaria de mais que três mudas de roupa e alguns reais para sumir do mapa. Talvez só de um pouco mais de ligeireza, pois sabia que em breve os vizinhos viriam até ele, e naquele momento, seus problemas chegariam ao extremo.

Naquela noite, o homem voltava de um serviço onde foi chamado para recolher um enxame. Esse tipo de solicitação havia aumentado no último mês, e cada caso era um pouco mais estranho que o outro. Na residência de Helena, por exemplo, as abelhas pareciam não se importar com a fumaça e o atacavam quando tentava capturá-las. A sobrinha da mulher era alérgica e foi parar no hospital por causa disso. Mas nenhum caso foi tão macabro quanto o daquela tarde.

Já havia notado uma presença maior de abelhas na rua de trás do condomínio nas vezes que ia comprar caninha da roça para o café da manhã, mas só depois de um tempo que os vizinhos solicitaram que procurasse pela colônia. Passou horas averiguando as várias mangueiras do lugar e quaisquer outros espaços onde as danadas pudessem estar, quando na verdade a resposta estava bem próxima — em seus pés, para ser mais preciso.

São Tadeu (Vol. I) Onde histórias criam vida. Descubra agora