Desorientado

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Com a cabeça enfiada entre os travesseiros, sinto a escuridão dançando e sapateando por trás das pálpebras como uma trupe de circo que insiste em fazer do cérebro seu maldito picadeiro. Por que estou sendo tão dramático? O mundo girando e eu na cama zonzo, enjoado e com a cabeça latejando, isso é ressaca. Bom, então por que não me lembro de ter bebido? Na verdade, do que me lembro?

— Mas que inferno— sussurro enquanto abro os olhos e me viro na cama.

Tudo está cinza, um curioso tom de cinza que não é nem escuro como a noite nem claro como o dia, é só cinza. Que dia é hoje? Terça, talvez quarta, não consigo lembrar. Que coisa é essa na cama? Uma jaqueta, uma jaqueta de couro. Por que tem uma jaqueta de couro na minha cama? Preciso de água.

Ou precisava. Perceber que o quarto está diferente muda um pouco as prioridades. Ele está menor e cheio de roupas espalhadas pelo chão. Assim como a jaqueta, essas roupas não são minhas, pensando bem, nem parecem roupas.

O corpo todo está formigando, e isso até me preocuparia se a porta não estivesse do lado errado e houvesse uma coisa esquisita no teto. Esse não é meu quarto nem a minha casa. Na verdade, percebo ao olhar a janela, que isso nem é uma casa.

Gostaria de correr para a janela, mas estava mais fraco que o Popeye sem o seu espinafre por perto. E não era só fraqueza, estava muito desorientado, suponho que macacos astronautas se sintam assim dentro de um foguete. Parecia mesmo que estava entrando em órbita, levantar e sair da cama se tornaram uma batalha a ser vencida. Talvez esteja machucado. Não, o corpo não está doendo, é algo diferente, como se estivesse vestindo uma armadura medieval invisível.

Em pé, naquele estranho assoalho de madeira, caminho a passos tortos em direção à pequena janela de vidro. Não é exatamente pequena, e sim muito diferente, um modelo antigo saído de algum Sci-Fi B dos anos sessenta. Instintivamente, coloco as mãos no rosto e passo os dedos na volumosa barba que insisto em cultivar. Não tão volumosa na verdade.

Ao lado da janela, constato o que já sabia só de olhar da cama e que por algum motivo insistia em não acreditar. Isso definitivamente não é uma casa nem um foguete a caminho da lua, estava em um quarto de apartamento, ou talvez de um hotel, de qualquer forma, o prédio não parecia estar em boas condições. Bom, boas condições não seria bem o termo, digamos que dormir na linha do trem fosse mais seguro que esse lugar.

As náuseas atacam com força, e sou obrigado a agachar levando as mãos ao chão. Gosto de altura tanto quanto o Batman gosta de ir à praia relaxar nos fins de semana e, tratando-se da vista, estava em um lugar muito, mas muito alto.

Ansiedade, medo, vertigem, uma mistura de tudo traz confusão aos sentidos e bagunçam a realidade. Ouço meus próprios gritos engasgados, vejo meu reflexo em um espelho d'água e sinto muita falta de ar. Estou submerso, tem água por todos os lados e não consigo respirar. Tento gritar e não há som, só água, muita água, descendo como lava pela minha garganta e nariz.

Desperto aterrorizado com o corpo tremendo e o coração acelerado.

— Eu estava me afogando? — pergunto tentando respirar. — Afogando? Você nem está na água — respondo, ainda sem conseguir respirar.

Converso sozinho tentando entender, sem sucesso, o que acabou de acontecer. Estou estirado no chão imundo com coração martelando tão forte que o peito chega a doer. Coloco as mãos sobre ele e percebo que elas tremem alheias ao meu controle. Sinto o desespero crescer com intensidade. Eu estou enfartando.

— Não, isso é um ataque de pânico — falo e sinto vontade de me esbofetear.

Eu nunca tive um ataque de pânico antes, na verdade, transtornos ligados à ansiedade não são muito comuns na minha estrutura de personalidade. Enfartar antes dos trinta também não é muito comum, não acha? Venci a discussão comigo mesmo, podia ser um adversário bem teimoso às vezes.

NoahOnde histórias criam vida. Descubra agora