Fracassado

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— Sei que é um tipo de câncer — Pedro responde.

— Isso mesmo — digo acenando a cabeça. — Mas não é como muitos cânceres, sabe? Esses que você remove com uma cirurgia e, às vezes, fica tudo bem. Não é desse tipo, a leucemia é um câncer sempre maligno. Maligno mesmo. — Após uma pausa para elaborar uma explicação resumida, digo: — Algo acontece na medula óssea, o que as pessoas conhecem como tutano. O sangue começa a ser produzido de maneira errada. Não existe bem uma causa, isso simplesmente acontece. Sabe, não tem como tirar a medula, você precisa dela e precisa que ela volte a funcionar direito. O problema é que nem sempre o tratamento faz isso acontecer.

— Você precisa de uma medula nova, não é, doutor? — Pedro diz com satisfação. — Eu sei, doo sangue três vezes por ano e fiz o cadastro para doar a medula há bastante tempo.

— Claro que fez, Pedro, você é uma boa pessoa — falo e sinto vontade de colocar uma estrela na testa do meu jovem paciente. — Infelizmente, apenas um a cada cem mil doentes encontra um doador compatível, então, mesmo você mantendo seu cadastro a vida toda, o mais provável é que você nunca chegue a doar.

— Eu não sabia disso — Pedro diz consternado.

— Mas é verdade — digo, fazendo uma careta. — No entanto, existem outras opções para aumentar essa probabilidade. É muito mais fácil encontrar um doador dentro da própria família, pais e mães muitas vezes são compatíveis com seus filhos, e a probabilidade é muito maior entre irmãos consanguíneos. Muito maior mesmo. Infelizmente, esse não era o caso de Abel — falo com pesar na voz. — Filho único, sabe? Planejado com todo o amor, carinho e atenção que os pais podem dar a uma criança, destinado a herdar um império. O barão da família. É até curioso — continuo. — Na maioria das vezes,quando você coloca muita expectativa em algo, é bem capaz de se frustrar porque dificilmente a realidade vai ser como a sua fantasia idealizada, contudo, esse não era o caso de Abel, um prodígio que insistia em superar todas as expectativas. Dizem que aprendeu a nadar antes mesmo de andar e a calcular antes de dizer a primeira palavra. Se tratando de Abel, deve ter pronunciado suas primeiras palavras em latim. — Acreditava mesmo nisso. — Ele já colecionava medalhas no atletismo antes de entrar na puberdade e, aos dezesseis anos, era o capitão da equipe de polo aquático, passava fácil de um metro e oitenta de altura e tinha quase noventa quilos de muito músculo.

— Parece incrível, doutor — Pedro diz impressionado.

— Era mesmo — digo, concordando com a cabeça. — Ele não era só forte como um cavalo de corrida, era incrivelmente inteligente, sempre o melhor da turma. Ouvi dizer que já falava cinco idiomas quando entrou no colegial, sua mãe Nina garantiu isso. Você deve saber disso, Pedro, há quarenta anos, o mundo era um lugar muito diferente. Não era comum ver mulheres como protagonistas ocupando altos cargos empresarias, o papel delas era geralmente associado a atividades subalternas nas fábricas ou domésticas no lar.

— Ainda hoje não é, doutor — Pedro diz — Já conversei sobre isso com meu pai, ele não gosta de contratar engenheiras mulheres, diz que atrapalha os peões no trabalho.

— E, no passado, era pior, muito pior — acrescento. — Por isso que Antônia, ou como costumavam chamá-la, Nina, sempre foi uma mulher à frente de seu tempo. Uma advogada brilhante que fez fortuna no ramo empresarial e chocou a todos quando resolveu abandonar o trabalho e se dedicar exclusivamente na educação do filho. O pai também não ficou ausente, Cezar, o magnata, como era conhecido. Ouvi dizer que ele nunca faltou à uma competição do filho, mesmo quando estava em alguma viagem de negócios, dentro ou fora do país. Abel sempre foi sua maior prioridade, era comum o magnata levar o filho para o trabalho e lhe fazer participar de algumas reuniões, mesmo quando ainda era uma criança.

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