Banheiro

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A pancada na cabeça fez o mundo girar e me levou a lugares desagradáveis. Por que diabos estou me lembrando disso agora? Tem alguém naquele maldito banheiro.

Estou mais zonzo e nauseado do que nunca, e tudo que quero é ficar quieto até aquele tornado de melancolia passar. Infelizmente, não posso me dar a esse luxo, então, lutando contra a dor e a desordem mental, firmo as mãos e levanto. O esforço é tanto que uivo de dor e principalmente de raiva.

Assim que consigo me sentar, coloco a mão esquerda no rosto, que queima e arde de dor, ao mesmo tempo em que tateio com a direita buscando a faca.

Onde está? Maldição. Não consigo encontrar a maldita faca e sou forçado a tirar a mão do rosto para conseguir usar os olhos. Graças a deus, a porta continua fechada.

— HAHAHAHAHAHAHAHAH — a gargalhada vem do banheiro.

Maldito, já ouvi esta risada várias vezes no meu consultório. Eu sei quem está ali.

— Doutor, você não acha que está exagerando? Uma faca. Está pensando em matar alguém? Talvez você esteja precisando de terapia também — a fala é seguida de uma risada maníaca.

— Jacob — digo em choque.

Que diabos, ele deve ter quase cem quilos. Onde está a maldita faca?

O que eu vou fazer? Eu sempre soube das tendências psicopatas de Jacob, mas nunca imaginei que ele pudesse ser um maldito maníaco sequestrador.

— Jacob, Jacob! — grito, desesperado. — Por que está fazendo isso? Onde nós estamos? O que você quer com tudo isso?

— Doutor — Jacob fala pausadamente. — você, melhor do que ninguém, deveria saber o porquê estamos aqui nesse lugar ferrado.

— Como assim, Jacob? — pergunto, intrigado. — Eu não me lembro de nada depois da sessão ontem. O que aconteceu?

— As lamúrias, doutor — diz em tom solene. — Não se lembra das lamúrias?

— Lamúrias? — estava confuso — Como assim? — digo e me aproximo da porta com as mãos vazias. Da faca que carregava, resta somente uma vaga lembrança, como se em outra vida tivesse invadido aquele banheiro pronto para matar alguém.

— Curioso — Jacob soa com sincera confusão. — Será isso um efeito da cinderela? Já ouvi dizer que ela bagunça a memória da gente.

— Cinderela? Do que você está falando, Jacob? — pergunto ainda mais confuso.

— Hum... — Jacob soa pensativo.

— O que aconteceu, Jacob? — pergunto pela fresta da porta.

— Como você não se lembra, acho que vou ter que ir aí te mostrar, doutor — Jacob diz decidido. — Mas vou avisando, você não vai gostar. Você não vai gostar mesmo — termina com outra gargalhada estridente.

Aquela risada sádica me tira do transe. Estou com as mãos encostadas na porta conversando normalmente com meu sequestrador/paciente/maníaco. No que eu estou pensando? Se ele resolver sair, não tenho a mínima chance de me defender.

Afasto-me da porta quase ao mesmo tempo em que escuto um rangido vindo dela. Ele vai sair. Minha vontade é a de começar a correr e não parar até que tivesse atravessado a cidade toda, contudo, a situação me atinge pesada como a verdade. Eu não tenho para onde correr, estou acorrentado nesse apartamento imundo, que não é muito maior que uma gaiola com um maldito psicopata.

A porta começa a abrir e, por um instante, tenho a certeza de que meu fim será trágico. Então, em um lampejo desesperado, vasculho os bolsos na esperança de encontrar algo que pudesse usar algo que pudesse ajudar. Existe algo, ainda há uma maneira de ganhar tempo.

Antes de correr para o quarto e trancar a porta, olho incrédulo para a pesada estrela que pendia em minha mão. Como pude esquecer que isso estava aqui? É no mínimo curioso o fato daquela lustrosa estrela me trazer tranquilidade mesmo naquela situação impossível. Não faz o menor sentido. Muita coisa aqui não faz. Não posso ponderar sobre isso agora, logo aquele troglodita vai sair de lá. O quarto está a poucos metros de distância, e me movo o mais rápido possível até ele.

Devo ter ouvido ou lido em algum lugar sobre a adrenalina, esse hormônio secretado pelas glândulas suprarrenais é responsável por criar um estado de prontidão, o que ajuda as pessoas a lidar com o perigo. Pelo que me lembro, ele contrai os vasos sanguíneos, fazendo o sangue correr mais rápido e, assim, aumentando o fluxo de oxigênio no corpo. Esse oxigênio extra faz o cérebro funcionar a mil por hora e o ajuda a tomar decisões mais rápidas que o normal. Isso pode dar ao sujeito a impressão de que tudo se move em câmera lenta. O fato é que estou divagando sobre os efeitos dessa substância enquanto tento cruzar os estimáveis dois metros que me separam do quarto. Constatar isso faz com que eu tenha a certeza de que o tempo não está correndo mais devagar, está literalmente parado.

Talvez apenas eu esteja parado, ou melhor, congelado de medo. O fluxo de informação pode ter sido tão grande que minha mente explodiu em uma inércia catatônica e me deixou totalmente a mercê de um maníaco. Se for esse o caso, por que ele ainda não me agarrou? Por que não ouço mais o ranger da porta ou os passos no chão? Não ouço nada, nem a própria respiração. Que inferno, eu preciso me mexer, preciso ir para o quarto!

Sinto um estalo quando o tempo volta a correr. Tudo ocorre de maneira tão inesperada que chego a perder o equilíbrio e quase caio de cara no chão pouco antes de alcançar o quarto. Meu coração rufa, produzindo um barulho assustador e, por um instante, tenho a certeza de que ele sairá do peito. Já me preparava para apanhá-lo, não queria que ele tocasse aquele piso imundo.

Estou de volta ao quarto onde todo aquele pesadelo começou. As mãos pousam sobre a fechadura e ali pende a chave com a estrela. Tinha trancado a porta sem nem ao menos perceber. Não sei medir quanto tempo fico parado, se é que fico mesmo parado, assim como a faca que desapareceu como se nunca tivesse existido, a paralisia não passa de um eco distante.

Antes de conseguir refletir sobre o momento, sou puxado para a realidade aos sons das batidas na porta. Jacob parece furioso.

— Não estou entendendo, doutor — Jacob diz mais ameaçador do que nunca. — Achei que você quisesse saber como viemos parar neste apartamento. Talvez a pequena Cindi não tenha sido a única responsável pelo seu esquecimento — seu tom de voz é amargo e bem diferente de antes. — Sabe, doutor, existem verdades que devem ser encaradas antes que seja tarde demais. Você sabe, não é? Atitudes, se você não tomar atitude na hora certa, o momento passa e aí é tarde demais, tarde demais, doutor. Como com aquela putinha que disse que te amava logo depois de enfiar o pé na sua bunda. Você não fez nada, doutor, grande erro.

— Que merda você está falando, Jacob? — pergunto quase gritando. — O que você sabe da Irene? Como sabe das nossas conversas?

Silêncio.

— Eu sei que você está aí, Jacob — continuo subindo ainda mais a voz. — Responda, seu maldito! Como sabe das mensagens do meu celular?

Meu celular, é claro... Esse psicopata deve estar com ele e não deve ter demorado muito para conseguir descobrir a senha. Mesmo que eu tenha apagado as conversas, sei que, com o conhecimento certo, é possível recuperar as mensagens sem muita dificuldade.

— O que você está planejando, maldito? — pergunto, já sem esperança de obter uma resposta.

Silêncio.

O que esse maníaco está querendo? Por que estava escondido no banheiro? De certo, estava se divertindo enquanto eu surtava nesse apartamento infernal. Será isso? Um maníaco sádico que sente prazer em assistir suas vítimas indo à loucura? O que ele vai fazer agora? Derrubar a porta? Talvez nem precise, ele pode ter uma chave também. Que inferno, eu não estou seguro aqui. Preciso bloquear essa porta.

A única coisa que eu posso usar para bloquear a porta é a cama. Ela não parece muito pesada, mas vai ter que servir. No momento que começo a tentar puxar a cama, percebo que ela é na verdade muito mais pesada do que parecia. Até a cama desse apartamento é esquisita. Esse peso todo é impossível. Qual o significado disso? Não vou conseguir puxar, tenho que empurrar.

Dou a volta e me coloco na parte de trás da cama. Firmo um pé no chão e outro na parede para conseguir usar o máximo de força. Funciona, a maldita começa a se mover, entretanto, essa não é a surpresa. Tem alguém embaixo da cama.

NoahOnde histórias criam vida. Descubra agora