As férias chegaram, e, praticamente, todos os estudantes voltaram para suas respectivas cidades. Eu, como um imigrante extraditado, fiquei por ali. Não sabia direito como melhorar as minhas habilidades sociais, então, comecei pelo mais fácil, a aparência física. Encontrei uma academia próxima à minha casa e fui super sincero com a atendente, precisava ficar bonito em dois meses. Era esse o tempo que tinha antes das aulas começarem e Irene voltar das férias.
Aos dezoito anos, meu corpo se encontrava em um verdadeiro limbo, nem alto nem baixo, nem magro nem gordo, nem bonito nem feio, era a expressão exata de um livro em brochuras. Não tinha nada errado comigo, mas também não tinha nada certo, e eu precisava dar um jeito nisso. O programa de treinamento sugerido incluía musculação cinco vezes por semana e aulas de jump duas vezes por semana. Confesso que me sentia um pouco constrangido pulando na cama elástica, primeiro porque era o único homem a fazer aquilo em toda a academia, segundo por ser mais desajeitado que Jennifer Lawrence na entrega do Oscar, então cai fora do jump e fiquei só na musculação mesmo.
Meu instrutor insistiu muito para que eu fizesse toda uma reeducação alimentar, o que consistia basicamente em adicionar proteínas à minha dieta, diminuir os carboidratos e cortar totalmente os doces e refrigerantes. Qual é? Não vamos exagerar também. Eu queria melhorar o shape, e não virar o Hugh Jackman. No fim, fiz apenas uma suplementação alimentar com uns produtos que encontrei na internet e nada mais. Contudo, o resultado foi milagroso e, ao final do segundo mês, tinha ganhado quase dez quilos. Não que conseguisse ver os músculos, mas tinha certeza que eles estavam ali em algum lugar.
As férias terminaram, e a universidade estava cheia novamente. Transitei pelos corredores perguntando para alguns conhecidos como haviam sido as férias deles, não que eu quisesse mesmo saber, mas tinha lido na internet que esse era um comportamento bem aceitável. Não é que aquele oráculo moderno estava certo? As pessoas sorriam e conversavam comigo, eu sorria de volta, estava tudo certo até ali. Irene não falou comigo nos primeiros dias, apenas me cumprimentou de longe, nada estranho, ela era realmente popular. Percebi que meu árduo treinamento físico tinha dado resultado quando, ao final da primeira semana de aula, ela veio conversar comigo, e não foi para discutir sobre grupos e trabalhos, foi para me convidar para uma festa.
Não sei se foi exatamente um convite, ela perguntou como eu estava e se eu iria à festa dos calouros no sábado. Respondi que estava ótimo e que claro que iria à festa, adorava festas, nunca perdera uma festa na vida. Menti, é claro, nunca tinha ido à uma festa antes e, para falar a verdade, não estava nem sabendo dessa. Irene pareceu achar algo engraçado porque acabou rindo alto antes de sair. Ela não falou nada dos meus músculos antes de sair, disse apenas alguma coisa sobre uma super lua em peixes que iria estar linda.
As coisas estavam quase saindo como o planejado, quase, o problema era a data. Sábado era meu aniversário, e eu faria dezenove anos, ficando assim mais velho que Abel e, sinceramente, não tinha certeza se estava preparado para isso.
Fiquei pensando bastante até o dia da festa, nunca mais havia conversado com meu irmão, ele tinha ficado na casa de meus pais, não tinha como ele sair de lá mesmo eu querendo muito que ele viesse comigo para a faculdade. Ele não podia, simples assim, e agora me tornei o irmão mais velho e sentia algo dentro de mim dizendo que eu nunca mais iria vê-lo.
Passei boa parte do meu aniversário tentando, sem sucesso, comunicar-me com Abel. Havia tentado de tudo, inclusive os cavaleiros. Aquele ritual era totalmente à prova de falhas, e tenho certeza que fiz tudo direito. Espalhei pelo quarto todos os meus bonecos, tomando cuidado para manter o cavaleiro do signo de gêmeos próximo ao cavaleiro do signo de peixes; em seguida, peguei o cavaleiro de peixes e comecei a narrar uma grande batalha, contudo, Abel não apareceu para brincar com o cavaleiro de gêmeos, e eu fiquei lá sozinho.
Não sei quantas horas fiquei esperando Abel aparecer, provavelmente muitas porque, quando dei por mim, já estava na hora da festa. Não queria sair de casa, sentia um enorme vazio dentro de mim e tinha a certeza de que meu irmão nunca mais iria aparecer, tudo porque eu havia ficado mais velho, não era justo. Mesmo procrastinando muito, acabei indo.
Não sei por que fiz isso, simplesmente troquei de roupa e sai de casa sem pensar, talvez seja isso que as pessoas chamem de impulso irresistível.
A festa era em uma parte da universidade que os estudantes chamavam de porão. O lugar era escuro e tinha o teto rebaixado, com certeza o nome fazia jus ao ambiente. Devo ter ficado mais de meia hora parado sem saber o que fazer. A música era totalmente eletrônica e estava muito alta, algumas pessoas dançavam, se é que podia chamar aquilo de dançar, outras estavam em pequenos ou médios grupos encostados na parede. Irene estava encostada na parede junto com um grupo de pessoas que eu não conhecia, não sabia se devia me juntar a eles e, mesmo que devesse, o que iria dizer? Não fazia ideia, então fiquei apenas observando.
Ela estava muito bonita; com toda aquela maquiagem, seus olhos pareciam maiores que nunca, estaria perfeita se vestisse um biquíni dourado. Comecei a me aproximar quando julguei que ela estava mais ou menos sozinha, felizmente não consegui chegar muito perto antes de o troglodita aparecer porque ficou bem claro que ela estava muito feliz com a companhia dele. Com certeza, não havia sido um convite para a festa, ela deve ter mencionado só por educação. Estava sozinho, sozinho como nunca.
Durante o curto caminho que fiz até Irene, acabei me aproximando de uma enorme caixa de água cheia de pessoas em volta. Não estava prestando atenção até alguém ali perguntar se eu queria uma bebida. Respondi que "sim, claro, porque não?". Mesmo sem nunca ter experimentado uma bebida alcoólica antes, sentia algo dentro de mim dizendo que eu precisava de uma naquele momento. O copo de plástico continha um líquido colorido e com um cheiro adocicado e, mesmo fazendo todo o meu corpo queimar, acabei por pedir outro. Não sei exatamente quantos copos virei antes de ter a brilhante ideia de procurar por Abel na piscina.
Talvez tenha pulado na água por culpa do álcool, talvez não, não importa, a questão é que agora, estando aqui no fundo, tenho a certeza de que foi uma péssima ideia. Eu não quero morrer, quero voltar para a minha vida, para a universidade, para aquela festa, para Irene, quero mostrar a ela que posso ser mais que um livro em brochuras, que mereço ser lido e que posso me transformar em uma pessoa diferente.
Que droga eu estou fazendo aqui? Preciso voltar para a festa, tenho que falar com Irene, com certeza ela está me esperando, ela me convidou sim, eu sei, eu sinto. Preciso ir contar para ela como a lua está bonita hoje, não posso ficar aqui, não posso deixar essa água ou algum brutamonte ficar no meu caminho. Eu preciso subir, preciso sair daqui, preciso subir agora!
Meu corpo, que até então estava fraco e adormecido, é inundado por uma força descomunal e começa a lutar desesperadamente para sair do fundo da piscina. Primeiro, os braços e, depois, as pernas. A energia é tanta que, por alguns segundos, sinto que não estou apenas nadando, estou voando. Saio da água como um torpedo e agarro a beirada da piscina, demorando apenas o suficiente para recobrar o fôlego. Eu vou falar com ela agora.
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Noah
Misterio / SuspensoAcredite isso está acontecendo. Acordo confuso e desorientado em um quarto estranho e até hostil. Esta não é a minha casa, na verdade, nem parece uma casa, o lugar está imundo, a mobília podre, e tudo cheira como água de poço. Não me lembro de como...