Porta

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Poucas coisas na vida poderiam ter proporcionado tamanho terror em uma pessoa quanto à visão daquela porta. Ao colocar os olhos nela, sinto meu corpo todo sendo rasgado por bestas selvagens em um misto de incompreensão pavor e impotência.

- Que loucura é essa? - indago para o vazio, esperando uma resposta que não vem.

Apesar do terror indescritível que a visão causa, movo-me sozinho em direção à porta. A força que me atrai é tão irresistível quanto à própria gravidade e, mesmo que conseguisse, e não conseguia, me livrar do choque e de toda a confusão, não conseguiria resistir à ela.

Como um passageiro bêbado, sou arrastado pelo pequeno corredor. Há algo invisível ali, algo que transforma o ar em uma substância pastosa similar a ectoplasma, algo que trava meus movimentos e transforma os segundos em minutos. Talvez, horas. Não sei quanto tempo fico catatônico, o corpo simplesmente volta a funcionar como se tivessem trocado a bateria.

Estou formigando novamente e olho para as mãos que voltam a tremer com um sorriso no rosto. As estranhas sensações são bem-vindas desta vez e não provocam mais pânico. Pelo menos, fico livre da catarse e recobro o controle. Agora, eu preciso me mexer, preciso chegar ainda mais perto, preciso tocar para ter certeza que é real.

- É real - digo, tocando com a ponta dos dedos um pedaço da imensa corrente à minha frente.

Sinto a espinha arrepiar, o aço está gelado como o inferno. A saída está bloqueada com uma gigantesca corrente que trança pela porta como a teia de uma aranha bêbada, passando por argolas de ferro chumbadas nas paredes laterais do corredor, nas paredes da porta e na própria porta. Onde deveria estar a fechadura, há um gigantesco grilhão de ferro que, de certo, é usado em jaulas de grandes animais. Fechando a trava do grilhão, um grande cadeado negro posa imponente. O mais aterrorizante, no entanto, é a inscrição que parece ter sido feita por uma criança usando os dedos e pende na altura dos olhos.

NÃO VÁ NOAH.

Escrito em vermelho sangue.

O corpo ainda está formigando e tremendo quando enfio a mão do bolso e puxo o celular. Eu não sabia pra quem ligar, e isso não importa, qualquer pessoal vai servir, preciso avisar a polícia ou alguém que a avise. Não importa. Minhas mãos tremem tanto que dificultam o manuseio do aparelho. Está desligado. Por favor, esteja carregado.

O aparelho leva uma eternidade para ligar, e isso faz a ansiedade atingir um recorde histórico. Enfim, as luzes se acendem, e consigo voltar a respirar, pelo menos um pouco. A senha para desbloquear é bem simples, e qualquer criança conseguiria descobrir após algumas tentativas: um "L" desenhado da esquerda para a direita. Contudo, por algum motivo, não funciona, e o celular acaba travando e, como se estivesse zombando de mim, desligando sozinho.

- Maldição, eu estou fazendo certo.

Enquanto esbravejo, olho inconformado para o aparelho e percebo o verdadeiro problema.

- Não pode ser - digo atordoado. - Como não notei isso antes? Esse celular não é meu.

O aparelho é menor, mais leve, e não tem nem a mesma cor do meu.

- O que está acontecendo? - pergunto para o nada quando o mundo começa a girar.

Sinto como se tivesse sido jogado pela janela. A visão escurece, a respiração para, e sinto algo gelado subindo pelas entranhas. Falta força para segurar o celular que colide com o chão sem produzir nenhum som. Sigo seu exemplo e desabo em silêncio.

NoahOnde histórias criam vida. Descubra agora