— E agora, doutor? — Pedro diz. — Não estou ouvindo nenhum barulho vindo lá de fora. Jacob pode ter ido embora.
Pedro me liberta das reflexões indesejadas, vou ter que abrir o jogo agora.
— Acredito que não, Pedro, a porta do apartamento está literalmente acorrentada, nós teríamos ouvido se ele tivesse saído — jogo a informação como se não fosse nada demais, talvez ele não surte.
— Acorrentada? — Pedro grita. — Jesus Cristo, doutor, como assim literalmente acorrentada? Aquele maldito enlouqueceu de vez?
Enquanto fala, Pedro se levanta, confuso. Preciso controlar a situação, então digo:
— É uma possibilidade sim, ele pode estar transtornado e é, por isso, que temos que pensar com calma no que fazer a seguir. Agir por impulso só vai deixar tudo ainda mais imprevisível.
Pedro não responde, está inquieto olhando para todos os lados do quarto. Não sei se chegou a ouvir o que falei.
— Bom, doutor — Pedro diz, rompendo o silêncio. —, se não podemos sair, talvez devamos jogar alguma coisa pela janela. Isso pode chamar atenção lá em baixo, talvez alguém ligue para a polícia.
Por essa eu não esperava, esta é uma ótima ideia, como não pensei nisso antes? Talvez estivesse ocupado demais remoendo o passado.
— Boa ideia, Pedro, boa ideia mesmo — digo entusiasmado. — Vamos jogar esses travesseiros, mesmo nesta altura eles não devem machucar ninguém e ainda vão servir para chamar a atenção.
— Certo, doutor — Pedro diz. — Abra a janela que eu vou jogá-los.
— Acho que você vai ter que fazer tudo sozinho, Pedro — digo, levemente envergonhado. — Eu tenho um, como posso dizer, certo problema com altura e, em hipótese alguma, chego perto dessa janela se ela estiver aberta.
Pedro me olha de maneira curiosa. Acho que está pensando que seu terapeuta consegue ser mais problemático que os pacientes. Somos todos humanos no final das contas, Pedro, um dia você vai perceber isso.
— Medo de altura? — Pedro pergunta.
— Chamar de medo reduziria muito a proporção, Pedro — respondo. — Seria como dizer que a lua é maior que um pato. Pânico, paúra, pavor são palavras que descrevem melhor o meu problema.
— Tudo bem, doutor, vou abrir a janela primeiro — Pedro diz achando graça.
— Com cuidado, você deve estar um pouco tonto ainda — alerto.
— Estou bem, doutor, não se preocupe — Pedro diz. — Acompanho meu pai no trabalho desde menininho, sabe, na construtora. Sempre achei o máximo lugares altos, me fazem lembrar a infância.
Pois é, também lembra a minha infância, por isso me assusta tanto. Não é só estar em um lugar alto que me incomoda, ver Pedro tentando abrir aquela janela me deixa aterrorizado. Parece que, a qualquer instante, ele será dragado através dela por alguma entidade cósmica oculta no nevoeiro. A força do pensamento é tanta que torna difícil assistir à cena. Por que está demorando tanto?
— Algum problema? — pergunto agoniado.
— Não está abrindo — Pedro responde. — A janela parece estar colada.
— Você quer dizer trancada? — corrijo.
— Não, colada mesmo — Pedro ressalta. — Esse modelo de janelas não tem tranca. Aquele bastardo deve ter dado um jeito de colar. Não vai abrir, não adianta.
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Noah
Mystery / ThrillerAcredite isso está acontecendo. Acordo confuso e desorientado em um quarto estranho e até hostil. Esta não é a minha casa, na verdade, nem parece uma casa, o lugar está imundo, a mobília podre, e tudo cheira como água de poço. Não me lembro de como...