Loucura

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O que está acontecendo? A escuridão impregna tudo e não me deixa ver nada. O silêncio é absoluto, o único som ali é o desses pobres pensamentos. Não consigo mexer os braços, de fato sinto que não tenho braços nem pernas nem nada, até minha cabeça parece formada por puro vazio, nada mais que uma débil consciência à deriva em um mar de trevas e envolto no manto da solidão. Torno-me deus do vazio e do nada.

Ó, destino sádico que presenteou o ilustre vencedor com o beijo da agonia eterna. Sentir-se menor que um grão de areia no abismo do infinito levou à loucura homens melhores e mais valentes, o que não fará comigo? Se ainda existo, rogo para ser varrido como poeira cósmica para as estrelas, que tal fatalidade não demore a me acometer.

— Calma, Noah, isso não é hora para delírios fúnebres, você precisa vir aqui.

Outra voz compartilha comigo o vazio do universo? É também um ser descorpado formado unicamente pela fumaça de pensamentos?

— Que porra você está falando, Noah, eu estou com você, só venha em direção à minha voz, não se preocupe, tudo vai dar certo.

A existência vizinha me convida a seu encontro com aspereza munida de palavras de baixo calão. Parecia estar muito longe, como irei até ela se não possuo mais uma existência física?

— Chega de bobagem, Noah, você está escutando a minha voz, não está? Então é claro que você ainda tem ouvidos e uma cabeça. Deve supor que o corpo está aí em algum lugar.

Contra fatos, não há argumento. Ouço a voz e a voz ouve meus pensamentos, logo estou pensando em voz alta com a boca. Devo entregar meu futuro aos desígnios do destino ou confiar no ser inominável que me oferece assistência? O destino nunca me agraciou e fez a minha existência tortuosa e insossa. Devo então rogar por auxílio de maneira frágil e convincente.

— Eu, eu estou muito ferido, não consigo mexer o corpo, me ajude, eu não estou enxergando — deveras humilhante pronunciar palavras tão ridículas, gostaria de ao menos controlar o timbre da voz, tudo soava como pensamentos ecoando neste território das ideias.

— Tente ficar calmo, você só precisa seguir a minha voz, você consegue chegar aqui, é só se esforçar.

Esforçar-me? Com quem este insolente pensa que está falando? Acabei de derrotar uma besta pavorosa trazida das profundezas do inferno em uma batalha repleta de honra e glória. Perdi tanto sangue no duelo que meus sentidos não funcionam e me deixam à deriva no espaço e no tempo.

— Eu juro que, se você continuar com essa insana eloquência, vou te deixar aqui, Noah.

— Não, espere, não vá embora eu, eu estou tentando.

Maldito patife arrogante! Se houvesse contemplado o esplendor de minha vitória, não ousaria me tratar com esse tom de voz atrevido. Contudo, devo acalmar o ímpeto, preciso de ajuda

— Não vou a lugar algum, Noah, continue vindo.

Como este ser tem conhecimento de meu nome? A voz é deveras familiar admito, mas posso afirmar que é de uma pessoa que me quer bem sem ao menos conseguir identificar seu portador? Acredito que não. De qualquer forma, estou me aproximando, o som está mais alto que antes. Devo estar flutuando a grande velocidade, adentrando as profundezas da densa noite. Eu vou conseguir.

— Claro que vai, Noah, você é um lutador, eu sei que vai me alcançar.

Lutador? Enfim a entidade misteriosa me trata com o devido respeito, estava quase a nomeá-la "maluco do além". Ainda assim, exigirei que retrate suas indulgências pessoalmente, a hora não tardará, logo estará ao alcance.

A luz surge tão intensa e súbita que consegue me deixar ainda mais cego que as trevas.

NoahOnde histórias criam vida. Descubra agora