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Fora da água, volto para o corredor, e ele continua tomado por aquela fumaça negra e pestilenta. No entanto, algo está diferente, percebo que não estou mais correndo aleatoriamente, e sim subindo um gigantesco lance de escadas. Não consigo ver o final, isso não importa, sei que não está longe, tudo que preciso é subir mais rápido, muito mais rápido. Fecho os olhos e sinto a mesma energia que me ajudou a sair da piscina, a memória está mais viva do que nunca. Como pude me esquecer? Aumento ainda mais a velocidade e não demora muito para os degraus desaparecerem sob meus pés.

Abro os olhos e vejo que a escadaria ficou para traz. Estou completamente exausto, e a vista faz a minha respiração ficar ainda mais difícil. Estou no alto de um grande prédio de cimento cinza, o lugar parece uma obra não terminada e completamente abandonada. O céu está totalmente, encoberto por uma fumaça preta que sai de um buraco bem no centro do edifício, provavelmente é ali que fica o lance de escadas que acabei de subir.

Há uma nevoa fedida no ar, ela é fina e leitosa, mas não encobre o horizonte, eu consigo ver. Consigo ver tudo, por todos os lados. Até onde a vista alcança, só existem outros prédios de cimento escuro, centenas, talvez milhares, e todos eles lançando uma espessa fumaça negra no céu. Aquele mundo está completamente devastado, muito pior que a New Tókio pós terceira guerra mundial. Ali não existe nada além de morte.

Meu corpo treme, e ainda não consigo respirar direito, mas não estou confuso, sei o que tenho que fazer, isso, sei exatamente o que preciso fazer. Não é fácil fazer, na verdade é muito, muito difícil, e, sinceramente, não sei se consigo, mas eu tenho que conseguir, esse é o único jeito de sair daqui.

Lentamente, caminho em direção à borda, não estou longe, o problema são os passos. A cada passo, meu corpo fica ainda mais rígido, sinto como se estivesse descalço no gelo, estou com medo, muito medo, e, quanto mais me aproximo da beirada, mais tenho certeza de que minhas pernas irão congelar e se partir como o T1000 após um banho de hidrogênio. Felizmente, isso não acontece e consigo chegar à beirada.

É isso, esse é o final. Contemplo a imensidão de prédios mortos à minha frente, olho para o céu, ou melhor, para aquela coisa medonha e pútrida que deveria ser o céu e, por fim, olho para baixo.

A vertigem faz meu corpo inteiro descongelar e as pernas amolecerem como geleia, e, por pouco, muito pouco, não encerro a jornada da maneira errada, ainda não era a hora. Não consigo ver nada além de uma névoa brilhante, que era branca demais para ser apenas branca. Não faz diferença, afinal, eu não preciso ver, eu sei o que tem lá embaixo, sei o que me aguarda no mundo exterior.

Tudo que me espera é dor, vergonha e solidão.

Eu sei que vai ser difícil, o mundo é um lugar hostil, e eu nunca soube bem como viver nele. Também sei que não vim até aqui para me esconder desses sentimentos de novo, vim para os aceitar porque, mesmo sendo difícil e confusa, a vida sempre me trouxe coisas boas. Eu não preciso ficar sozinho, vai ser difícil hoje, muito difícil, mas o amanhã pode ser melhor. Vai ser melhor. Eu só preciso viver. Eu quero viver.

Olho para baixo de novo e contemplo aquele branco que não era branco pela última vez. Não sinto vertigem, não sinto medo, meu corpo está firme como aço. Sei o que preciso fazer e quero fazer, quero sair desse mundo morto e voltar para a minha vida. Eu quero viver! Abro os braços, fecho os olhos e inclino o corpo para frente deixando a gravidade fazer o resto do trabalho.

Sinto meu estômago encolher e abro os olhos. Tudo o que vejo são luzes, muitas luzes, brancas, não brancas, de todas as cores e de cores nenhuma. Estou rápido demais, e a adrenalina faz o sangue disparar nas veias, sinto meu coração batendo um trilhão de vezes por segundo. Ele vai explodir, o corpo todo vai, estou pegando fogo e atinjo as nuvens com a mesma violência que o meteoro que pôs fim aos dinossauros.

NoahOnde histórias criam vida. Descubra agora