Radiante

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(AVISO: Este é o prequel do conto "Um Tom de Mudança", postado no capítulo anterior)

Baltivéria, Galtero.


O Sol começava a se pôr na antiga Baltivéria, apesar de ainda restar cerca de meia hora até seu desaparecimento, o mesmo já não era mais visto. As grandes muralhas que se erguiam a frente do astro rei impossibilitavam até mesmo os mais fortes raios de luz a entrarem. Todos ali se preparavam para suas atividades noturnas, alguns entravam em suas casas, outros procuravam alguma taverna que já não estivesse cheia. O crepúsculo se aproximava, mas ninguém ali o veria, obviamente não se incomodavam com isso já que não ver o pôr do sol ou seu nascimento era o de menos quando se pensava na segurança que as muralhas traziam, mas... Talvez nem todos pensassem assim.


Havia uma pessoa que se mantinha observando o céu, um único olhar direcionado a toda aquela imensidão. Os olhos quase negros seguiam o movimento das nuvens, enquanto os cabelos dourados de sua dona eram movimentados pelo vento do início da noite.

– Lena?! Aí está você! – Disse uma voz atrás de si, com irritação. – Já devíamos estar lá, mas parece que uma de nós prefere olhar as nuvens... – O tom irônico da frase era mais que evidente.

– Eu entendo, mas... Você sabe, não consigo evitar. – O olhar que antes se mantinha no céu, agora encarava a imagem de uma garota de longos cabelos negros e olhos de tom cinzento que não se concentravam em um só ponto – Ainda nem anoiteceu, eu não esperava que ficasse tão ansiosa assim, Kaira.

Lena mal pôde terminar sua frase e já estava sendo puxada por entre as casas da pequena vila. Brágui, tanto Kaira quanto Lena não se lembravam de ter passado um só dia longe daqui, assim como não se lembravam de ter passado um só dia longe uma da outra.

Fazia pouco mais de uma semana que haviam recebido um comunicado de seu Rei, Kaira era bastante conhecida em Baltivéria por sua mente brilhante, alguns chegavam a dizer que a mesma estava possuída por Balder. O Rei a havia convocado para que resolvesse um conflito entre duas vilas. Kaira insistiu para que Lena a acompanhasse nesta missão, não gostava nem um pouco da ideia de ter sua amiga longe de si.

A Lua lentamente se aproximava do topo do céu quando chegaram ao lugar marcado. Um garoto com o símbolo real nas vestes as esperava próximo à abertura no muro que separava uma vila da outra, acompanhado de dois cavalos, sua missão era cuidar para que tudo saísse como o planejado em Sigel. Seu cabelo encaracolado parecia bagunçado e a pele negra reluzia a luz do luar, mas o que mais chamava atenção eram seus olhos multicoloridos.

– Senhorita Kaira? É um prazer conhece-la, me chamo Hain– Cumprimentou simpático, com um sorriso em seu rosto. – E quem seria vossa mercê? – Hain pareceu confuso com a presença de mais alguém ali, porém manteve seu sorriso e educação.

–... Lena – A resposta veio de forma tão seca que seria capaz de amargar até o mais doce hidromel.

Lena não gostara nem um pouco da ideia de viajar com alguém, principalmente um guerreiro de aparência agradável que não parava de sorrir para Kaira um único momento. Saber que provavelmente só se "livraria" de Hain quando voltassem para Brágui não a deixava nem um pouco feliz. Ele as ajudou a embarcar as coisas que levariam em um dos cavalos.

– Está com frio? – Kaira perguntou a Lena que parecia tremer um pouco. Vasculhou a bolsa que levava tirando de lá uma capa – Aqui, vista isso.

A garota pegou a capa, logo a vestindo. Era de um azul tão escuro que seria capaz de se camuflar no céu noturno, o tecido era tão espesso que parecia desconfortável, mas Lena não parecia ligar para isso 


*******

 – Se seguirmos por esse caminho, chegaremos lá no início da tarde. – Explicou.

Kaira apenas acenou a cabeça em concordância, olhando para o pequeno ser loiro atrás de si. Lena não aguentou muito tempo, antes mesmo que pudessem chegar ao final da segunda aldeia já estava de olhos fechados em outro mundo. Não era muito resistente e também não mostrava uma inteligência ou força especial, de fato especial era uma palavra que ninguém usaria para defini-la...

– Já dormiu, Lena? – Kaira revirou os olhos, mas um sorriso apareceu em seu rosto.

– Ela não parecia cansada... – O guerreiro murmurou.

– E não estava, ela apenas não gosta de ficar acordada, diz que não gosta da noite.

– Não gosta da noite?

– São coisas dela, também nunca entendi o motivo... Às vezes ela nem ao menos precisa de um.

– Ela é bem estranha... Quero dizer... Isso... Isso é estranho.

– Estranha não é bem a palavra, sabe? Ela é especial... É, especial. Até mesmo a forma com que ela apareceu foi especial.

Kaira falava aquilo para ninguém além de si mesma, não havia notado que Hain estava ocupado checando a rota, perdido em seus próprios pensamentos. Desta vez não só os olhos acinzentados vagavam, mas a mente também. Vagava em suas lembranças com quem cuidara por tanto tempo. Talvez Lena fosse especial, nem que para uma única pessoa.

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