Eu a vejo em minha mente, a Morte em meu encalço: um esboço em manto negro, o rosto esquelético a emoldurar olhos vermelho-sangue, a gadanha afiada nas mãos pronta para a ceifa.
E tênis de corrida, é claro. De que outra forma daria conta de me acompanhar?
Com o sacolejar dos meus passos firmes, sorvo o aroma inebriante da Floresta de Laguna em Tibbutz, o paraíso na Terra e minha única escapatória.
Quando meu treinador, o maravilhoso e inconstante Raah Salz, me convidou para termos um encontro a dois fora do expediente, ele disse que era para que eu tivesse a motivação necessária para prosseguir. Engraçado. Sempre achei que não morrer era motivação suficiente. Aposto até mesmo que quando me orientou para correr agora como se fugisse da morte não imaginava que isso seria literalmente o que tenho que fazer.
Como já o fiz antes. Uma dezena de vezes.
Mas, das outras vezes, não eram ribeiros e poças d'água.
Quase posso senti-la novamente, a textura escorregadia e gelada da mistura de lama e de excrementos em pés, outrora, pequenos e desprotegidos. Agora é apenas um filete no gramado, troncos caídos e montes inofensivos para pular, em vez de arame farpado. Neste instante, meus pés estão devidamente abrigados em botas espessas e quase confortáveis demais para a missão. Preciso permanecer focada e esse bem-estar não me ajuda em nada.
Dou uma longa passada, enquanto observo as copas das árvores em busca de orientação. Sei exatamente onde estou. Eu acho.
No meu próximo impulso, deslizo morro abaixo numa pasta de folhas ressecadas e umidade, mas recupero o equilíbrio a tempo, ignorando o estalo dolorido nos meus joelhos e a queimação que imediatamente se espalha pela parte interna das minhas coxas. Eu me sinto perseguida pela minha própria sombra, questionando-me se ainda tenho chances ou se o melhor mesmo seria desistir.
— Mude sua definição de derrota — minha mãe me disse, certa vez, enquanto envolvia meus pés num trapo de camisa velha embebido num líquido malcheiroso. — Derrota não é fracassar; derrota é abandonar a luta.
Então, suponho que meus pulmões terão que mudar sua definição de oxigênio, porque não estou pronta para desistir ainda. Minha garganta está muito ressecada e seria tão, mas tão fácil me agachar por apenas um segundo quando passasse pela próxima corrente de água para trazê-la com a mão como uma concha até meus lábios. Só que um segundo pode ser exatamente o preço do meu futuro.
— A dor é apenas um alarme! Alarmes só existem para quem não quer vencer. — Os gritos de Raah ainda ecoam em minha mente e me empurram montanha acima. Os mesmos gritos que tenho escutado diariamente ao longo destes últimos três meses. — Ignore as sirenes estridentes do seu corpo! Emudeça os estampidos de receio e medo e tudo que a convence que não vai conseguir. Dê seu tudo ou volte agora para casa!
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HUMANO [COMPLETO]
Science Fiction#4 em ficção-científica em 25/04/2018 Que preço você está disposto a pagar para ser aceito? ESCRITO EM PARCERIA COM Camila-Antunes Imagine uma sociedade perfeita. Não há desigualdade, fome ou violência. Um lugar onde rege paz, harmonia e respeito. ...