De todas as atividades estabelecidas no meu cronograma, esta era a que eu mais temia. Infinitamente mais do que o treinamento em campo. Desafiar os limites do meu corpo é algo que já estou acostumada a enfrentar. Mas minha mente? Lidar com cálculos e alinhar palavras? Memorizar leis e aprender história e filosofia? E ainda mais num idioma estrangeiro?
Deslizo uma mão pelo meu corpo, na altura do estômago e pressiono-a ali para acalmá-lo, enquanto observo através da porta entreaberta a mulher esguia de cabelos ruivos que lista todas essas coisas numa tela.
Na festa de recepção no meu primeiro dia em Tibbutz, ela se apresentara como "Amartia Dash, doutrinadora de imigrantes e entusiasta dançarina". Na época não entendi as implicações desta apresentação. De que eu era a única imigrante em Laguna e seria, portanto, a única participante desta turma de Doutrinação.
Ainda antes de entrar na sala, analiso o ambiente. Seis colunas de cadeiras vazias enfileiradas preenchem o espaço do amplo recinto. Essa é a única coisa que me remete às salas de Doutrinação, como as conheci em Arabah. Porque aqui, as paredes transparentes que nos cercam exibem o vale e a floresta de Laguna em toda a sua glória, o que é o mais reconfortante em tudo isso.
Na Natureza, estou em casa.
Quando enfim me sinto pronta, tamborilo as unhas fazendo o metal da porta tilintar e peço licença para me juntar à doutrinadora na sala conforme a porta desliza para dentro.
Os olhos da mulher arregalam um pouco e faíscam opacamente com interesse quando são cravados em mim. Meu estômago embrulha de nervoso. Ignorando a sensação, inspiro fundo e entro na sala, fingindo toda a confiança que não sinto. Em seguida, me dirijo para uma das fileiras.
— Hadassa, querida, seja bem-vinda.
Apesar da doçura em sua voz, mantenho uma postura de defesa, os braços cruzados diante de mim. Mesmo sabendo na teoria que Tibbutz é um lugar seguro, não consigo desligar meus instintos de defesa.
— Estamos todos tão empolgados com sua presença! — ela exclama e, em seguida, seus lábios se comprimem, incertos.
Meus olhos vagam pelo recinto em um reflexo mal contido. Encaro as pilhas de cadeiras vazias e não consigo evitar que meus pensamentos extravasem pela minha expressão facial.
— Hm... Estão? — pergunto, tentando soar mais ingênua do que assustada. — Mas... quem?
— Ora — ela diz, mas hesita de repente, os cantos dos lábios incapazes de manter o sorriso intacto.
Estremeço e faço uma prece silenciosa ao Destino para que esta não seja uma espécie de primeira prova.
— Eu e... hm, a Cúpula e... o povo de Tibbutz, logicamente... e...
Ela abana a mão num gesto que entendo como "deixa para lá".
— Ah, logicamente — repito, tentando soar empolgada e dirijo-me para uma das cadeiras.
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HUMANO [COMPLETO]
Science Fiction#4 em ficção-científica em 25/04/2018 Que preço você está disposto a pagar para ser aceito? ESCRITO EM PARCERIA COM Camila-Antunes Imagine uma sociedade perfeita. Não há desigualdade, fome ou violência. Um lugar onde rege paz, harmonia e respeito. ...