Quando já estão todos relativamente satisfeitos e a lua cheia paira alta no céu, a atmosfera entre os Imperdoáveis pouco a pouco muda. Tochas são acesas ao nosso redor e a exaustão lentamente dá lugar a uma espécie de relaxamento preguiçoso. Alguns se sentam ao chão, apoiando as costas contra troncos e pedras; outros deitam em esteiras de palha. Um grupo começa a tocar no palco uma melodia num instrumento improvisado, enquanto alguém começa a recitar versos que se alinham perfeitamente à cadência e ritmo da música. Alguns grupos trocam confidências sussurradas e, vez por outra, de lá e de cá, irrompem risadas.
Não sei ao certo se estou sob o efeito do que sobrara do Mashkeoth vomitado, mas de repente, surge em mim um sentimento raro de que possuo o direito de desfrutar desse momento. Fecho os olhos, saboreando a sensação de ser aquecida pelas chamas que trepidam sobre as tochas entre nós. As risadas ao fundo, a poesia melodiosamente declamada com tanta emoção e sinceridade... Eu me sinto talvez mais confortável, mais à vontade do que nunca estive entre a sociedade de Laguna.
— Essa é a versão que mais gosto de você — Sander sussurra próximo ao meu ouvido.
Instintivamente, me encolho.
— Eu deveria saber do que você está falando? — falo, franzindo a sobrancelha, ligeiramente irritada com a interrupção do meu momento de paz.
Sander se afasta e faz um beiço irônico, tentando conter um sorriso.
— Ela foge sempre que eu me aproximo — diz.
— Ela quem?
— Essa versão de você. Diferente da que costuma andar rodeada de mil escudos e armada com trinta mil lanças, prestes a atacar quem cruzar o seu caminho ou a ofender. Nestes raros momentos em que ela baixa as defesas... Esta é a versão de você que mais gosto.
— Talvez ela tenha motivos para andar armada e protegida — explico, ainda mais irritada. — Talvez ela tenha tido que fazer isso para sobreviver durante toda a vida.
— Uma ovelhinha que criou garras — diz, ainda tentando conter o sorriso.
Não deixo escapar a referência ao comentário que fizera ao me ver pela primeira vez em sua casa.
Solto um suspiro pelo nariz contendo o impulso de revirar os olhos. Mas decido, talvez pela primeira vez na vida, não ceder a uma provocação de Sander Kravz.
— Inevitável quando se vive cercada de lobos — retruco.
Sander ergue as sobrancelhas e ri, encarando o céu estrelado. Quando ele volta a olhar para mim, diz num tom gozador:
— Acha que está cercada de lobos agora?
Observo os grupos de pessoas ao meu redor.
Seus rostos simples e relaxados, a diversificada paleta de emoções que os cobre enquanto conversam, descansam e desfrutam da noite.
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HUMANO [COMPLETO]
Science Fiction#4 em ficção-científica em 25/04/2018 Que preço você está disposto a pagar para ser aceito? ESCRITO EM PARCERIA COM Camila-Antunes Imagine uma sociedade perfeita. Não há desigualdade, fome ou violência. Um lugar onde rege paz, harmonia e respeito. ...