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Caros leitores da versão antiga: POR FAVOR, NADA DE SPOILERS NOS COMENTÁRIOS.


Ninguém parece estranhar a marcha cambaleante de pessoas empoeiradas e feridas ao longo da praia paradisíaca

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Ninguém parece estranhar a marcha cambaleante de pessoas empoeiradas e feridas ao longo da praia paradisíaca. Por mais que o talho aberto e purulento, ainda sangrando, logo acima dos meus seios, pareça fora de lugar por aqui — onde todos estão bem-vestidos e alimentados, sorridentes e saudáveis — somos tratados e observados como mera rotina. Apenas mais uma leva de imigrantes pré-selecionados.

— Hadassa, espera!

Olho para trás, na direção da voz, e vejo Lean se apressando pela areia, tentando me alcançar. Mais adiante, percebo o olhar assustado de uma mulher com um enorme e multicolorido chapéu que puxa uma criança para si, como se estivesse protegendo-a.

Protegendo de quem? De nós?

Lean aperta meu braço e se achega mais a mim, buscando refúgio também.

Os nativos não se preocupam em se levantar das esteiras onde tomam sol. Os menos desinteressados acompanham nossa marcha com o olhar, à distância.

A caminhada pela areia fofa é extenuante demais para quem já andou tanto. E o fato de que estou tremendo não ajuda em nada. Não sei dizer até que ponto isso é uma reação meramente física e até que ponto, emocional.

— Estou com medo — Lean sussurra.

Com um leve gemido de dor, deposito minha mão trêmula em sua cabeça e acaricio seus cabelos negros cobertos de pó com as pontas dos dedos. Em seu couro cabeludo há resquícios de sangue seco. Um pouco ainda está úmido. Isso me remete a imagens que não desejo reviver agora. Então, respiro fundo e as empurro para uma caixinha em minha mente. Tudo em mim clama para que eu corra daqui e me esconda em algum canto qualquer, que eu me curve numa posição fetal no chão e chore até perder os sentidos.

— Não há motivo para temer — digo, lutando para esticar meus lábios num sorriso mais ou menos firme. — Nós chegamos, vê? E estamos vivas.

Ela balança o rosto rapidamente, franzindo os olhos contra o reflexo do sol, para me ver melhor. Desvio o olhar por medo de fraquejar e as lágrimas escaparem.

O horizonte no oceano é diferente aqui. Em Arabah, o céu alterna entre um tom de violeta profundo e ferrugem. Mas aqui é azul, salpicado com nuvens brancas, como ovelhas-bebês. E é dolorosamente iluminado. Só tinha visto algo assim em pinturas e secretamente eu duvidava de que realmente existisse. É tão maravilhoso que assusta. Não parece natural.

Do outro lado, por trás das florestas, algumas poucas edificações humanas despontam, como cabanas quadradas de concreto e vidro que se esticam por dezenas de metros de altura.

A garota puxa a barra esfarrapada do que um dia foi meu belíssimo traje de viagem. Minha mãe se dedicara bastante para produzi-lo com fibras de algodão e restos de material sintético que coletou ao longo da jornada. Todas as noites ao encontrarmos uma caverna e, enquanto nos aprontávamos para descansar, ela buscava a luz da lua ou até mesmo se arriscava acendendo uma pequena fogueira e costurava até depois de todos estarmos adormecidos.

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