Minha vida é uma loucura.
Se eu fosse contar desde o principio, não levaria cinco minutos. Ainda assim, tem fatos que surpreendem a todos que me conhecem.
Eu acordo quase todas as noites, com pesadelos inexplicáveis. Hoje em especial, minha ansiedade está maior. A cada meia hora, sinto meu corpo saltar da cama, sem nem mesmo que eu lembre do que se trata o sonho. Sei apenas pelas sensações que me restam de angustia e terror, que não foi um bom sonho. Eu deveria dormir bem, porque amanhã, talvez eu precise de mais energia que o comum. Mas, ainda tenho esperanças que dessa forma, eu possa lembrar de alguma coisa. A chuva lá fora não me ajuda, já que fico nervosa sempre que tem uma tempestade. Alguma coisa do barulho da água atingindo as superfícies, traz um desconforto familiar.
Desde que me lembro, não tenho muitas motivações. O dia de amanhã está sendo a minha maior preocupação dos últimos meses. A partir disso, vou poder pensar num futuro decente. Pra quem não lembra de nada, isso é uma grande coisa.
Perdi grande parte da minha vida a um tempo. Tive um pedaço da minha memória retirada, pra não dizer quase tudo. Quando acordei um dia num hospital particular sem me lembrar de nada, sem nem mesmo saber como fui parar ali, minha vida nova estava começando. Eu não desaprendi a fazer nada, como falar, os nomes das coisas, meu próprio nome. Mas em geral, não lembro das pessoas, dos meus pais ou de ter vivido nessa cidade antes. Isso já faz um pouco mais de um ano, e desde que acordei, a noção do tempo é algo complexo para mim. Todos os dias são iguais, entre os treinamentos e estudos e por isso parece que passa muito rápido.
Quando acordei, Chris me recebeu. Até hoje eu não sei exatamente quem ele é. Assim como qualquer órfã, recebi apoio de um adulto designado para me orientar, como um assistente social. Não sei se ele já tinha feito isso antes, visto que perdeu muito tempo aprendendo protocolos enquanto já tomava conta da minha saúde e das minhas obrigações. E sei que foi trabalhoso para ele já que eu não tinha uma estrutura mental descente. Explicar o modo como o mundo é hoje, não é uma tarefa fácil. Mas assim como pareceu sair das nuvens para me ajudar, ele também desapareceu depois de um tempo. Um grande mistério para mim. Hoje nosso relacionamento se limita a mensagens, e eu sinto falta de vê-lo por perto. Apesar disso, compreendo que um homem como ele, que vem de uma classe superior, deve ter coisa melhor para fazer. Ele tem uma filha mais ou menos da minha idade, mas imagino como seu desejo deve ser diferente para nós duas.
Conversamos poucas vezes sobre a vida dele. Como eu não tinha muito com quem conversar, sempre perguntei constantemente sobre a vida dele, afim de entender como poderia ser. Ele sempre foi reservado, me contou poucas coisas sobre como chegou a esse trabalho, mas sempre falava com gosto da filha. Com o tempo, passei a poder sair do hospital como ele, e andar pelas ruas e ver outras pessoas me fez começar a entender como as coisas funcionam. Entendi também que eu e eles éramos muito diferentes, que estamos realmente separados pelas nossas classes.
Ah, as classes. Quanto mais alto, mas rico, mais reconhecido, mais importante... e mais forte. Depois de um certo número alcançado, já pode ser considerado um Nobre. Que inteligente usar um termo tão antigo... só faltava chamar todo o resto de plebe. Eles sempre por cima, o resto sempre por baixo. Muitos trabalham para eles e vivem para eles. Alguns tem esperança de virar um deles, mas quais as chances? Eu acredito muito mais que você pode nascer assim, ou se conformar com uma vida mais simples. Mesmo assim, noventa por cento das pessoas idolatram os Nobres. Eles deviam nos proteger, garantir segurança, mas praticamente nos escravizam. Muitos precisam ir para guerras contra outros países para tentam garantir uma vaga no céu. E eu não poderia estar sendo mais literal. E pensar e eu posso ter o mesmo destino, mesmo sendo contra minha vontade.
É o que resta para órfãs. Eu, e todos que moram nesse prédio velho e esquisito. Quando Chris me contou como funcionada esse sistema, achei que ele daria um jeito de me livrar, mas pelo contrario. Eu poderia cursar uma faculdade e ter um emprego de verdade, para não ter que arriscar minha vida. Com o patrocínio certo, qualquer um pode fugir, mas poucos realmente têm a oportunidade. Ainda tem aquela parcela que realmente acredita que não há nada mais nobre do que se sacrificar pelo país. Eu não concordei com essa ideia desde sempre, mas Chris insistiu que minhas habilidades não podiam ser desperdiçadas. Afinal, também era papel dele me avaliar, afim de direcionar minhas qualidades para o melhor tipo de serviço que eu poderia prestar. O objetivo que a Corte tem, é de fazer com que todos sejam muito úteis. Ele me deu todas as condições de treinar, e agora eu passei no teste para entrar em um colégio real. Se eu não tivesse passado, seria despejada e não teria mais suporte da Corte pra sobreviver. Odeio esse lugar, mas é realmente melhor que a rua. Foi triste não poder fazer nada quando vieram despejar todos que não tinha passado em alguma função. Parece que quanto mais alto o seu nível, mais você perde a própria humanidade. Eu tenho certeza que alguns dias depois a maioria daquelas crianças devem ter morrido de frio ou de fome.
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Sunshine
Adventure"O que você faria se acordasse em um lugar que não tem ideia de onde é? E se você só se lembrasse do seu nome? Isso foi o que aconteceu comigo. Acordei um dia e nada tinha lugar. Eu não sabia quanto tempo fiquei apagada, mas me disseram ser anos. E...