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Minha visão estava bem pesada. Eu tinha certeza que estava sozinha na cama; não precisava abrir os olhos pra saber. A sensação das asas de Sam em volta de mim ainda é fresca, mas não poderia ser confundida com esse cobertor, mesmo ele sendo o de melhor qualidade.
Joguei o cobertor um pouco pra longe de mim e logo senti a brisa fria do oceano entrar no quarto, pelas portas da varanda que permaneciam abertas. O choque térmico foi o suficiente pra me fazer abrir os olhos e ver o ambiente todo iluminado; já devia ser perto das 9h. Se bem que nem sei dizer quantas horas dormi, já que não tenho ideia do horário que chegamos aqui ontem. 


Olhando ao redor, nem sinal de outra pessoa. A porta do quarto estava aberta pro corredor, e mesmo eu não tendo o ângulo certo pra enxergar a escada, sei que Sam também não está por ali. Desço meus pés que tocam o chão, que por um milagre esta numa temperatura agradável, o que me faz gostar um pouco mais da madeira. Ando até a frente da casa, ajeitando a blusa que agora estava bem amarrotada no meu corpo. Percebi muitos raios de sol tentando entrar no hall, mas Sam fechou completamente as cortinas. Mesmo eu estando aqui, para mim, parece que é um costume dele, tentar manter bem a privacidade.


Abrindo uma fresta apenas pra que eu tivesse visão da rua, percebi um dia ensolarado e quente, trazendo assim, vários dourados a rua. Vagavam, chegavam e partiam, com suas asas douradas batendo. O murmurinho das vozes em cumprimentos chegavam em mim por pouco. É muito estranho observá-los tão de perto. Tive que me repreender por ter um pensamento de que eles são só pessoas comuns, porque no fim, não são. Tratam os humanos normais como inferiores, apesar da mídia sempre exaltar e causar a alienação da grande maioria. Mas alguns, assim como eu, enxergam perfeitamente a real face desse povo. Que mata e escraviza qualquer um que se opunha.

Resolvi descer as escadas, e no meio senti um aroma forte de tempero. Minha barriga roncou alto, me deixando louca pra ver o que estava acontecendo na cozinha. Passei pela entrada e entrei devagar na cozinha, que dessa vez estava iluminada, mesmo que todas as janelas desse andar também estivessem com cortinas. Mas entrando na cozinha, percebi que no fundo, onde tinha uma porta que imagino ser a área de serviço da casa, tinha uma janela virada pra trás, aberta, que mantinha o ar do ambiente saudável. 

Sam estava como o cabelo preso, observando um livro sobre uma bancada. Ele usava a mesma roupa que tinha dormido, não parecendo nem um pouco preocupado, dessa vez. Demorou um pouco pra ele olhar pra mim. Mas assim que fez isso, eu acabei soltando um suspiro sobre o olhar azulado dele. Meus pensamentos voltaram pra noite anterior, pro seu toque, seu cheiro. Tenho certeza de ter ficado vermelha além de acabar desviando o olhar rapidamente.

-Bom dia. - ele disse, fechando o livro e devolvendo-o para um nicho no armário superior da cozinha. No balcão, várias coisas tinham sido picadas, a pia tinha algumas coisas sujas, mas em geral estava bem organizado. Sobre o fogão, uma única panela estava no fogo, mas outras já tinham sido terminadas. Tinha cheiro de muitas coisas pra eu conseguir me lembrar o que poderia ser isso. Mas era bom. Minha barriga roncou de novo, e eu coloquei a mão involuntariamente sobre ela. Sam sorriu. - Parece que agora está com fome. 

-Bom dia... - Eu finalmente falei algo diante dessa situação estranha. - Podia ter me chamado pra ajudar. - falei me referindo a comida quase pronta. - Acho que seria justo.

-Não se preocupe com isso. - Ele falou andando na minha direção. Levantei o olhar pouco antes dele cruzar e passar voltando para a frente da casa. - Vem. - ele disse sem olhar pra trás.

Finalmente eu prestei atenção na continuação da casa por aquela parte, que se estendia em um cômodo aberto, que além da mesa de jantar, que estava disposta em um café da manhã bonito, tinha uma sala com sofás e uma tv sobre um hack, com quadros, espelhos e almofadas coloridas, fazendo o ambiente parecer mais tropical. Mas o melhor era a porta de correr no fim, que dava a um deck, descendo para a areia da praia. Eu não tinha ideia de que estávamos tão perto do mar, mesmo com o cheiro de maresia. Caminhei a até a porta, observando o tom de azul cristalino da água e o horizonte que não tinha nada, mas era incrível. Eu não me lembro de ter visto um lugar assim.

-A noite fica escuro demais pra perceber. - Sam falou adivinhando que eu estava me perguntando como eu não tinha percebido isso ainda. Eu me virei pra ele, e reparei finalmente na mesa de café da manhã. Me aproximei de novo.

-É bem bonito aqui. - ele se sentou e eu caminhei até o outro lado para me sentar também. Era muito legal poder comer com aquela vista adiante. 

-Eu gosto bastante. Mas quase não fico aqui.

-Por que? - perguntei começando a escolher o que eu ia comer. Sam estava passando uma pasta não sei de que em uma torrada, e continuou falando sem olhar pra mim.

- Muito tempo no trabalho. Acabo tendo que passar dias longe daqui, como agora no colégio.

-Mas o que você fazia antes? - eu perguntei servindo meu copo com suco.

-Eu sempre fui um soldado particular da rainha. Por isso passava meus dias no castelo, além de andar pra cima e pra baixo fazendo a segurança da família real. - Eu olhei pra Sam, mas ele continuava concentrado demais na comida pra poder olhar pra mim. - Eu pedi pra sair, porque perdeu o sentido pra mim. Prefiro manter contato com o povo e sentir que sirvo ao reino, e não a rainha.

-Tem um motivo especial pra isso?

-Acho que é porque eu via muita coisa errada acontecendo.

-Coisa errada?  - eu perguntei achando a forma que ele quis explicar um tanto infantil, parecendo que queria filtrar demais as palavras pra mim. A campainha tocou me fazendo pular um susto, mas Sam apenas levantou calmamente e caminhou até a porta, como se estivesse esperando. Assim que ele abriu, Lucinda entrou.

- Peguei o que pediu. - ela entregou a ele, uma mochila preta. 

-E a menina? - eu acredito que ele tenha se referido a Simi.

- Já levamos o corpo e comunicamos a substituta. Amanhã vai estar tudo certo na prova.  - Me arrepiei no momento que Lucinda pôs os olhos em mim. Eu não consigo imaginar o que ela estava pensando. Eu sou uma garota estranha na casa no noivo dela, e não imagino o porque dele estar me protegendo. Lembrei instantaneamente do dia anterior, que eu estava literalmente dormindo sobre ele. Mas ela não parecia se incomodar por conta de nada disso. - Sam. Você precisa me contar o que está acontecendo. - ela disse voltando o olhar pra ele.

-Não. - ele respondeu voltando a mesa, onde eu permanecia sentada. Colocou a mochila no chão, perto de mim e sentou de volta na cadeira. - Você quer comer? - Lucinda caminhou até nós. Observei melhor ela, que usava um uniforme branco da corte, com botas altas, um terninho e o broxe dourado sempre brilhando sobre o peito. Seu cabelo comprido, dessa vez, estava preso em um coque alto deixando o rosto dela mais magro e não tão bonito. Ela estava brava, mas não por minha causa. Acho que ela não aguenta mais não saber no que Sam estava envolvido, mas eu pouco posso responder essa pergunta. 

-Eu posso estar traindo minha rainha por sua causa, então tenho o direito de saber. - Ela disse cerrando os punhos do lado do corpo, ainda olhando fixamente pra Sam. - Quem é essa menina? - Ela jogou o braço na minha direção para apontar, me dando um susto. No fim, eu também queria que ele respondesse essa pergunta. Sam olhou primeiro pra mim com as sobrancelhas arqueadas em desdém, depois voltou para Luce, que permanecia dura no mesmo lugar.

-Não é da sua conta. - Ele disse devagar, assoprando as palavras claramente como um ponto final na conversa.

-Não conte comigo pra mais nada. - Lucinda disse se virando e dando passos pesados, até bater a porta e voar pra longe dali. Sam voltou a comer calmamente, antes de voltar a olhar pra mim.

-Ouvi dizer que ela é sua noiva. - Afirmei sem nenhuma cerimônia. Não podia ter sido mais direto. Sam parou, parecendo tomar um leve susto com isso.

-Era pra ser. Mas não vamos nos casar nunca. - ele disse dando de ombros logo depois. - Era uma vontade da rainha juntar alguns dos seus melhores servos. Pra poder controlar a gente melhor, um espionar o outro e coisas assim. Além que na cabeça dela, nós seriamos uma fabricas de novos soldados perfeitos pra ela. - eu soltei o ar, entendendo que nenhum dos dois quer estar envolvido com o outro, mas não mudava o fato de que ele devia ser fiel a ela, e estava sendo o contrário.

-Mas não seria mais fácil aceitar e se casar?

-Seria, mas eu não posso. - ele disse terminando o café. Levantei junto com ele, ajudando a levar as coisas de volta a cozinha em silêncio.

-Por que?- perguntei finalmente. Sam parou na sala novamente. Caminhou até a porta de correr que dava pro mar. Depois olhou pra mim com os olhos carregados de sentimentos. 

-Jurei amor a outra pessoa. 

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