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O resto do dia foi normal. Sam me deixou ficar com Rugy um pouco. Fazia tempo que eu não ficava com ele, mesmo sabendo que ele é o único totalmente fiel a mim. Mas não tive vontade de conversar sobre o que está acontecendo e ele respeitou. Apenas ficou ao meu lado durante a tarde toda. Ficamos quase o tempo todo na varanda de trás da casa, virada para o mar. O barulho das ondas e o vento salgado me ajudaram a manter a calma. Uma pena não podermos descer e por os pés na areia, já que na beira da praia, estaríamos expostos demais aos vizinhos que também tinham as varandas pra aquele lado. Então fiquei agradecida de poder pelo menos apreciar a vista.

Sam ficou entre a cozinha e o escritório, durante toda a tarde e em algum momento, disse que sairia, mas voltou tão rápido quanto foi, então não fiquei sozinha por quase nenhum tempo. Isso não me ajudou muito a organizar os meus sentimentos. É complicado, Sam é atraente o suficiente pra fazer eu ficar observando-o o tempo todo que estamos no mesmo ambiente. Mas no geral, percebi que ele gosta dessa atenção vinda de mim. Porém, evitei fazer qualquer comentário e olhar de volta quando quem estava olhando era ele.

-Amanhã bem cedo, vou te levar de volta, então você vai ter tempo de se organizar com seus colegas. - Sam disse se aproximando de mim na varanda, onde eu estava sentada vendo o começo do pôr do sol. Encarei seus olhos, mais alaranjados por causa da luz. - Preciso que você entre. Parece que vai ter um luau hoje a noite. - observei que na areia adiante, algumas pessoas se organizavam carregando mesas e cadeiras.

-Que pena, queria ver o sol se pôr. - suspirei mas levantei sem titubear.

-Da pra ver do quarto. - ele disse entrando junto comigo, sendo seguido por Rugy.

Segui a escadaria, entrei no quarto. Ele foi direto pra varanda, se apoiar no guarda-corpo, afim de olhar o mar refletindo o laranja. Eu fiz a mesma coisa, mas estava inquieta demais pra seguir mais tempo sem falar.

-Posso perguntar... - ele olhou pra mim. - O que eu devo fazer?

-Essa pergunta é pra mim? - ele disse, sorrindo bem de leve.

-Não sei. - eu respondi levantando os ombros. - Se você souber de algo, pode me dizer também.

-Sobre o que você está mais confusa? - ele perguntou, mas acredito que ele deve imaginar. Mesmo assim, muitas questões passam na minha cabeça.

-Bem, pra começar eu não sei sobre meus poderes. Não sinto que consigo liberar todo meu potencial, porque, afinal, eu não me lembro do que sabia fazer antes.

-E mesmo assim fez um trabalho excelente, aprendendo desde o começo. - ele disse se virando e apoiando sobre os cotovelos.

-Sim, porque Iukk me treinou. Porque ele sabia o que eu poderia fazer, então basicamente, ativou minha memória muscular. Mas me sinto controlada por ele. - eu suspirei, mas Sam não disse nada. - Eu não me lembrar da minha família também é cansativo. Vocês falam o tempo todo do meu pai, mas e a minha mãe? - ele fez uma cara um pouco desagradável, como que se lembrando de coisas ruins. Isso faz piorar porque ele não pretende dizer uma palavra.

-Não sei o que seria adequado dizer sobre sua mãe. - ele soltou depois de um tempo, nada além do que eu já sabia.

-Mas isso nem é o pior, porque ainda tem você. Você não me fala sobre você! - eu falei alto, andando de um lado a outro marchando na madeira dentro do quarto, enquanto olhava pra sombra da silhueta de Sam no chão.

-Mas eu já te contei sobre mim... - ele disse baixo.

-Mas não sobre a gente! - parei abrindo os braços num gesto de demonstrar meu corpo. - Eu e você. E o que eu devo fazer. Sobre você ou sobre Ray! - O semblante de Sam fui mudando de acordo com cada palavra que saia de mim. Ele parecia ofendido, mas era a primeira vez que eu estava deixando todo esse acumulo sair, então não poupei esforços em demonstrar minha indignação com a falta de ajuda. - Ou você prefere fingir que você não me beijou? E ainda, ignorar que você é noivo? Nada disso vai dar certo! - Ele deu dois passos pra perto de mim, entrando de volta no quarto. Apoiou uma mão no batente da porta. Ainda não olhava pra mim.

-Eu não escolhi nada disso, Hyiana. Eu não posso consertar as coisas. - ele suspirou, finalmente me encarando. Parecia bravo. As palavras eram duras, saiam com raiva. - Eu estou fazendo tudo o que posso, por você. - a última parte foi um suspiro quase inaudível.

-Então me diz... - eu parei diante dele, tentando manter contato visual, mas minha vontade era de me esconder debaixo da cama, porque Sam parecia realmente mal nesse momento. - O que eu devo fazer? - eu perguntei de uma forma um pouco mais calma, tentando convencê-lo de que devia me dizer alguma coisa. 

-Como eu já disse, aquilo não foi pra te influenciar, nem pra te fazer pensar em mim. - ele disse devagar, ainda apertando o batente da porta com força.

-Não é tão simples assim. - eu respondi o interrompendo. - Eu sei que conheci você, eu consigo me lembrar da sensação. - eu falei confessando o porque tudo isso não sai da minha mente. -Em uma situação normal, eu teria conseguido deixar isso pra lá, como você falou, mas por causa dessa lembrança, eu fico criando expectativa de que mais contato com você vai me ajudar a lembrar de algo. - Ele ficou ereto dessa vez, deixando a boca entreaberta, varrendo meu corpo com os olhos. Não parecia conseguir raciocinar. - Mas tem o Ray, eu não posso ignorar tudo que aconteceu nas ultimas semanas comigo e com ele. - Eu falei e sei que foi como uma faca em seu peito.

-Eu sei... - ele disse calmo, um tanto cabisbaixo. - Mas eu não sei se é possível você se lembrar sozinha. Se as suas memórias estão presas com outra pessoa, como Putt te contou, como seria possível você lembrar de alguma coisa?

-Eu não tenho ideia. Achei que você saberia mais sobre isso do que eu. - Sam parou e refletiu um pouco.

-Mesmo assim Hyiana. Mesmo que eu ficar por perto te ajude, vou colocar você em perigo. Vamos chamar muita atenção se você não voltar pras provas. E se você ainda sente algo por outra pessoa... - ele parou por um momento, franzindo as sobrancelhas. - Então não posso me meter.

Eu sabia que isso era verdade. Se fosse pra eu tentar resgatar algo do passado me aproximando de Sam, conversando aos poucos, tirando dúvidas, eu teria que estar totalmente livre pra deixar nosso contato físico acontecer naturalmente, da forma como nós dois estávamos evitando o dia todo. Não posso a todo momento me sentir culpada por causa de Ray. A maior questão agora, e se vale a pena deixar o meu presente, por uma pequena chance disso me trazer um pouco do que um dia vivi. Rugy, me encarava, enquanto ouvia toda a discussão sem dizer uma palavra. Olhando pra ele por um segundo, acho que encontrei a melhor resposta pra tudo.

-Acho que preciso voltar pro dormitório. - eu disse depois de um longo silencio no ambiente. Ao fundo, gaivotas e pessoas emitindo sons distantes. O sol já tinha sumido no horizonte, e nós começávamos a ficar realmente no escuro. 

-O que vai fazer? - ele perguntou um pouco apreensivo.

-Resolver tudo.

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