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Ficou sentada no escuro por um longo tempo, pensando, deixando a sensação de completa solidão rodeá-la. Mas, de repente, um barulho chamou-lhe a atenção, e de súbito a porta da cozinha abriu-se. Alguém entrou e acendeu a luz.

Ela pestanejou, ofuscada, e olhou para as duas pessoas que a fitavam.

A sra. Saviñón estava com os cabelos compridos e grisalhos, obviamente precisando da atenção de um cabeleireiro profissional. Usava calça jeans surrada e uma amassada camisa amarela-clara.

O sr. Saviñón, com os cabelos ruivos compridos demais, estava muito magro, dando a impressão de que seria carregado para longe por um vento mais forte.

Os olhos verdes de ambos exibiam surpresa e consternação.

— Candy! — o sr. Saviñón exclamou, chamando-a pelo apelido da infância. — O que está fazendo aqui?

Candy, Dulce repetiu mentalmente, sorrindo. Candy! Ele me chama assim desde que fiz um ano. Olhou para as mãos, pensativa.

Será que não fui trocada por outro bebê, no berçário?, perguntou-se. Será que não existe uma loira hippie, de vinte e cinco anos de idade e olhos verdes, andando por aí com uma câmera fotográfica pendurada no pescoço?

Desatou a rir, imaginando um casal tentando controlar a filha indócil, que preferia fotografar animais selvagens a usar vestidos bonitos, dançar e tocar piano.

Fitou os pais e notou que eles não estavam entendendo nada. De repente, parou de rir e começou a chorar.

As lágrimas dela pegou-os de surpresa. Dulce sentiu tensão aumentar na cozinha. Não conseguia lembrar a última vez em que chorara na frente deles. Baixou a cabeça de súbito, sentiu um braço envolver seus ombros e duas mãos segurar as suas.

— Dulce, querida, qual o problema?— a sra. Saviñón

Pela primeira vez na vida. Dulce teve a sensação de que a mãe realmente estava preocupada. Então, contou tudo o que acontecera, desde seu primeiro encontro com Christopher até aquele dia.

Falou ao pais que sempre quisera ser amada por eles, e que realmente nunca sentira esse amor, que achava que eles estavam preocupados única e exclusivamente com eles próprios e que nunca sobrara lugar para a filha no relacionamento de ambos.

Só quando as lágrimas e as palavras acabaram, foi que percebeu que os dois tinham ouvido tudo sem se manifestar.

— Vim aqui para ficar sozinha..., para pensar — explicou. — Não esperava encontrá-los.

— E por que esperaria? — a sra. Saviñón murmurou com amargura. — Nunca estivemos aqui para você antes, por que esperaria por nós agora?

— Não quis dizer isso...

— Sei o que quis dizer Dulce, e sei também...

O silêncio pairou no ar, quando a mãe calou-se, emocionada.

— Não nos perguntou o que estamos fazendo aqui — o sr. Saviñón comentou.

— Oh, é mesmo! Dulce exclamou, enxugando a lágrimas. — Achei que estivessem na África.

O sr. Saviñón sentou-se junto dela e começou a contar sobre conflitos entre facções políticas, a perseguições que haviam sofrido, os cartões de crédito confiscados, os rolos de filmes destruídos. E de como voltaram para casa apenas com as roupas do corpo.

Dulce ouviu tudo, mais calma, divertindo-se com aquela historia, que poderia ser o enredo de uma tragicomédia.

— Olhe como estamos sujos — o sr. Saviñón finalizou. Nem nos deixaram pegar nossa bagagem, e não pudemos trocar de roupas!

A sra. Saviñón serviu-se de uma xícara de café e acomodou-se numa cadeira.

— Então, como todo nosso projeto arruinado, decidimos voltar para casa, nos tornar apresentáveis e procurar um lugar tranqüilo para passarmos umas férias — contou. —Pensamos em Tenerife.

— Parece uma ótima idéia — Dulce aprovou.

Desejou poder tirar duas semanas de folga para não fazer nada, a não ser comer, dormir, nadar e esquecer todos os problemas. Mas só poderia tirar férias no ano seguinte.

— Venha conosco — a sra. Saviñón convidou impulsivamente. — Poderá descansar.

— Desculpem-me, mas não posso — Dulce recusou. —Se eu não voltar para o trabalho na segunda-feira, a empresa vai cancelar meu pagamento.

— Não acha que conquistou o direito de passar duas semanas longe daquele Uckermann? — o sr. Saviñón perguntou com aspereza.

— Fernando! — a esposa repreendeu-o.

— Bem, posso entender melhor os hábitos dos animais selvagens do que dos humanos, mas isso não quer dizer que não perceba, quando um homem está usando uma mulher de forma egoísta.

— Tem razão — Dulce concordou. — Mas ele me usou porque eu deixei.

O telefone tocou, assustando-os.

— Pode ser para você? — o sr. Saviñón perguntou a Dulce.

— Talvez — ela respondeu, dando de ombros. — Não disse a ninguém que vinha para cá. mas...

Pode ser Christopher, pensou. Pode ser Maite.

— Quer falar com a pessoa, Dulce, seja lá quem for? o pai indagou.

— Não, ela não quer — a mãe respondeu, antecipando-se. Não quer falar com ninguém nos próximos dias.

Dulce ergueu a cabeça e viu os pais trocando um olhar sugestivo. Então, o sr. Saviñón foi atender o telefone.

— Não quer falar com ninguém, quer? — a mãe perguntou.

— Não — Dulce respondeu.

— Podemos ter sido péssimos pais, mas amamos você. E ficaremos aqui o tempo que for necessário para provar isso.

— Não posso deixá-los fazer isso! Vou me sentir culpada por estragar as férias que tanto merecem!

— Era para mim — Fernando informou ao voltar.

— Nossos planos mudaram — a esposa informou. — Não vamos a lugar nenhum. Vamos ficar aqui, com nossa filha.

— Não, não vão — Dulce protestou. —Eu é que vou com vocês.

Não sabia se mudara de idéia porque se sentira decepcionada ao saber que não fora Christopher quem ligara, ou porque ficara extasiada com a atitude carinhosa dos pais.

Escrava do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora