Capítulo 9

8 0 0
                                    

Acordei na cama estreita e me vi na sala da frente entulhada de sofás. Levei vários minutos olhando atentamente, com cara de idiota, tentando ver através da cortina. Lá vinha a velha com o cachorro. Continuei observando a cena, ainda um pouco zonza. Fui ficando menos sonolenta. Quase me sentei. Não era imaginação minha! O pobre cão não queria fazer xixi nem cocô, mas a velha insistia. O coitadinho tentava ir embora, mas a mulher não deixava. "Aqui!", ela comandava (Não dava para ouvir sua voz, mas dava para ver o movimento dos lábios. Que esquisito!) 

Nesse instante entrou mamãe, e eu desfrutei de um carinhoso e nutritivo café da manhã: meia torrada, onze uvas, oito comprimidos e sessenta sucrilhos (um recorde), porque precisava convencê-la de como eu me sentia ótima. Enquanto ela me dava banho — um momento terrível, com todos aqueles paninhos e uma bacia de água morna cheia de espuma nojenta —, eu ataquei:

— Mamãe, resolvi voltar para Nova York.

— Não seja tão absurdamente ridícula! — Continuou me enxaguando com os paninhos.

— Minhas cicatrizes estão indo bem, meu joelho já pode suportar peso, as marcas roxas quase desapareceram. 

Era realmente estranho. Eu sofri uma quantidade espantosa de ferimentos, mas nenhum deles foi realmente sério. Minha cara ficou toda roxa, mas não houve fratura de nenhum dos ossos da face. Eu poderia ter sido esmagada como uma casca de ovo ou passar o resto da vida parecendo uma pintura cubista (descrição feita por Helen). Eu sabia que tinha tido muita sorte. 

— Veja só como minhas unhas estão crescendo depressa — continuei, balançando a mão para mamãe ver . Duas das minhas unhas tinham sido arrancadas e a dor que eu senti (fora de brincadeira) foi indescritível, muito pior do que a da fratura do braço. Nem mesmo os analgésicos poderosos à base de morfina conseguiam apagar aquela dor por completo. Ela continuava lá, só que um pouco mais longe. Eu costumava acordar no meio da noite com os dedos latejando tanto que pareciam estar do tamanho de melancias, mas agora eles pouco doíam. 

— Você está com o braço quebrado, mocinha. Em três lugares. 

— Mas não foram fraturas expostas e quase não dói mais. Acho que está quase bom. 

— Ah, você virou ortopedista, agora?

— Não, continuo sendo uma relações públicas na área de beleza, mas esse emprego não vai ficar lá me esperando pelo resto da vida, sabia? — Deixei as palavras ecoando na cabeça de mamãe e então completei, baixinho: — Vocês nunca mais vão ter maquiagem grátis. 

Mas nem isso funcionou. 

— Você não vai a lugar algum, mocinha. 

Mesmo assim eu calculei bem o momento para lançar a idéia. Naquela mesma tarde ia fazer o meu check-up semanal na clínica e, se os médicos dissessem que eu estava melhor, mamãe não ia ter para quem apelar.

Depois de me deixarem esperando um tempão, eles tiraram uma radiografia do meu braço. Como eu imaginei, as fraturas estavam curando bem depressa; a tipoia já podia ser removida e o gesso ficaria mais umas duas semanas, no máximo. 

Em seguida fomos para o dermatologista, que informou que eu estava tão bem que já dava para tirar os pontos do rosto, e nem eu contava com isso. Acabou doendo mais do que eu esperava e a cicatriz parecia uma linha vermelha muito feia e enrugada que descia do canto do meu olho até a boca. Pelo menos sem a costura medonha feita com linha cirúrgica azul-marinho a minha cara ficou mais normalzinha. 

—E quanto a cirurgia plástica? —quis saber mamãe. 

— Mais tarde — disse o médico —, não por agora. É sempre difícil saber como a recuperação completa de ferimentos desse tipo vai se desenvolver. 

Tem Alguém Aí? - Família Walsh Vol 4Onde histórias criam vida. Descubra agora