Capítulo 3

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As fisgadas de dor me acordaram na hora de sempre — cinco da manhã. Funcionando no piloto automático, engoli dois analgésicos, fiquei deitada bem quietinha, fechei os olhos com força e fingi que estava na cama com Aidan ao meu lado. Tudo o que eu preciso fazer é estender a mão e vou poder te tocar, gato. Você vai estar quentinho, meio sonolento, com uma ereção parcial, e vai enroscar seus braços e pernas em volta de mim, mesmo sem estar completamente desperto. Minha fantasia era tão detalhada e convincente que dava até para sentir o cheiro dele, e eu quase ouvi o som da sua respiração. Foi por isso que, ao abrir os olhos e perceber que eu não estava na cama e o lugar onde Aidan deveria estar não passava de um espaço vazio, um uivo escapou do fundo da minha alma. Eu parecia um animal ferido. Enrosquei-me em posição fetal, apertei Dogly junto à barriga e tentei me embalar até a dor sumir. Como nada disso funcionou, liguei a tevê. Estava passando Dallas. Dois episódios seguidos, mais velhos que o rascunho da Bíblia. Assisti a ambos. Quem diria? 

A sessão acabou logo depois das sete. Momento bom para eu me arrumar para o trabalho. Tentava não chegar lá antes das oito da manhã, na maioria dos dias, mas tinha vezes em que não conseguia ficar deitada de barriga para cima dentro daquele apartamento e às seis e meia da matina eu já estava na minha mesa. 

Precisava me manter ocupada, trabalhando sem parar, tentando passar impunemente pelos dias. Esse era o caminho. De vez em quando eu mergulhava por completo no trabalho, conseguia ir a algum lugar aonde a imaginação me levava e deixava de ser eu mesma. Por breves instantes.

Devo acrescentar que nem tudo na minha vida era diversão e brincadeira; havia os ALMOÇOS. Mesmo antes de Aidan morrer, eu detestava os ALMOÇOS. Levar jornalistas da editoria de beleza das principais revistas para almoçar em restaurantes badalados era parte do meu trabalho; eu tinha dois ou três desses compromissos agendados por semana, e era sempre uma situação delicada devido à alta competitividade na questão de "quem comia menos". Às vezes as jornalistas traziam uma ou outra colega, então havia ainda mais gente disputando quem "não ia comer" a sobremesa solitária que pedíamos para dividir entre todas. Era uma espécie de luta de boxe — quem iria dar o primeiro golpe? Quem iria dar a primeira garfada no doce? Ficávamos ali espreitando, como se andássemos em círculos diante do inimigo com ar cauteloso, e, como eu era a anfitriã, o protocolo determinava que minha função era ser a primeira a atacar. Entretanto eu precisava ir devagar, porque os editores de beleza não respeitam os gulosos. 

Durante o primeiro mês depois da minha volta, fui poupada dos ALMOÇOS — não por algum ato de piedade, mas porque minha cicatriz era tão feia que Ariella não queria que me vissem solta por aí. Entretanto, graças às cápsulas de vitamina E, muita base e um corretivo da pesada, a cicatriz parecia mais discreta agora, então os ALMOÇOS estavam novamente liberados para mim. 

O único jeito de aturar isso era levar Brooke comigo, pelo menos quando ela estava disponível. Brooke era um presente dos céus, sem dúvida. Seu incrível talento para colocar as pessoas absolutamente à vontade conseguia esconder minhas tentativas desajeitadas e robóticas de bancar a anfitriã. Ela deliciava as jornalistas convidadas com detalhes de sua vida superglamorosa, sem nem por um minuto dar a parecer que estava se exibindo, e eu tentava sorrir e empurrar bolos de comida goela abaixo, um tanto ou quanto insegura. De vez enquando — e isso acontecia demasiadas vezes para o meu gosto — eu me esquecia de dar a primeira garfada na sobremesa; a torta de chocolate, ou seja lá o que tivéssemos pedido, ficava ali, latejando no centro da mesa, até que, depois de alguns instantes de suspense, Brooke dizia: "Olha, eu não sei vocês, meninas, mas eu preciso experimentar nem que seja um pedacinho desse doce/musse/torta, que está me dando água na boca", e isso liberava os garfos para o ataque. 

Eu me obriguei a tomar um banho, peguei o telefone para ligar para o celular de Aidan e foi então que aconteceu. Eu estava toda encolhida na poltrona, preparada para ouvir o bálsamo da sua voz, mas, no lugar da mensagem, apareceu um bipe estranho. Será que eu tinha ligado para o número errado? Na mesma hora tive um pressentimento de desastre iminente; minhas mãos começaram a suar tanto que eu mal conseguia teclar os botões. Prendendo a respiração e rezando para estar tudo bem, esperei pela voz de Aidan, mas só ouvi o bipe estranho novamente: o celular dele fora cortado. Por falta de pagamento. 

Até então eu achava que o celular dele continuava em operação por algum ato de bondade cósmica. Só que ele simplesmente deixara a conta paga adiantado. E agora a linha havia sido cortada porque eu não continuei a pagar a conta. 

Com exceção do aluguel do apartamento, eu não tinha pago conta alguma. Leon e eu tínhamos combinado de conversar a respeito da minha situação financeira, mas ele não conseguiu parar de chorar durante um período de tempo suficiente para fazermos isso. 

Em pânico e me sentindo sufocada, tentei ligar para o número da sala de Aidan, mas outra pessoa — que não era ele, naturalmente — atendeu dizendo: "Sala de Andrew Russel." Desliguei. 

Merda. Merda. Merda. Merda! Fiquei tão tonta que pensei que fosse desmaiar. 

— Agora como é que eu vou entrar em contato com você? — perguntei à sala vazia. 

Eu estava dependente daquele bate-papo com Aidan, o momento de ouvir sua voz duas vezes por dia. Obviamente ele nunca me respondeu nem levou o papo adiante, mas isso era um grande consolo e me ajudara. Fazia com que eu acreditasse que ainda mantínhamos contato regular.

A urgência de falar com ele ficou tão desesperadora que meu corpo não conseguiu suportá-la. Em menos de um segundo eu estava encharcada de suor e tive de correr para o banheiro e vomitar. 

Dez, talvez quinze minutos se passaram. Eu fiquei repousando a cabeça contra a porcelana fria do vaso e me sentindo zonza demais para conseguir levantar dali. 

Eu precisava falar com Aidan, urgentemente. Daria tudo que eu tinha e estava disposta a morrer só para conversar com ele, nem que fosse por cinco minutinhos. 

Tem Alguém Aí? - Família Walsh Vol 4Onde histórias criam vida. Descubra agora