Capítulo 17

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Dormi profundamente e não tive sonhos, provavelmente pelo efeito dos remédios. Levantei-me em meio a camadas difusas de consciência, parando ao chegar a cada uma delas até me sentir pronta para enfrentar a seguinte. Era como o lento retorno de um mergulhador de grande profundidade que emerge aos poucos para evitar um choque brusco rumo à superfície. No instante em que abri os olhos eu me senti relativamente em paz. Ele não estava ao meu lado e eu compreendia isso. 

A primeira coisa que fiz foi ligar o computador para checar os e-mails, torcendo por uma resposta dele. A lista piscava, mostrando cinco mensagens não lidas. Parei de respirar e o coração disparou, cheio de esperanças. A primeira era uma oferta de ingressos para o show de Justin Timberlake. Depois havia um e-mail de Leon, informando que ele soubera que eu estava de volta e pedindo que eu lhe telefonasse. A terceira era de Claire, dizendo que estava pensando em mim. Outro e-mail era a oferta de um método para aumentar o tamanho do meu pênis e, por último, um vírus bloqueado. De Aidan não havia nada ali. 

Desconsolada, me arrastei para o chuveiro e fiquei chocada ao descobrir que mal conseguia molhar o corpo, muito menos o cabelo. Vocês já tentaram tomar uma ducha sem poder molhar um dos braços? Ao longo das últimas oito ou nove semanas sempre havia alguém para fazer tudo por mim, tanto que eu não percebi o quanto ainda estava incapacitada. Foi nesse instante que um raio me atingiu a cabeça: me senti como se nadasse em águas muito profundas e estivesse completamente só, em todos os sentidos. 

Peguei o sabonete líquido e uma lembrança me acertou como um soco no estômago; era o No Rough Stuff, o novo esfoliante da Candy Grrrl. Naquele último dia, tantas semanas atrás, fui testar pessoalmente o lançamento e me esfreguei com força, sentindo o perfume gostoso dos grânulos de lima e pimenta. Ao sair do banho, perguntei a Aidan: 

— Estou com um cheirinho bom? Obediente como sempre, ele me farejou. 

— Delícia de perfume, mas eu prefiro seu cheirinho de dez minutos atrás. 

— Mas há dez minutos eu estava com cheiro de mim mesma. 

— Exatamente! 

Precisei segurar com força na borda da pia até a sensação passar. Apertei a borda com a mão não enfaixada até as juntas dos meus dedos ficarem tão brancas quanto a porcelana. 

Hora de me vestir. Meu astral, que já estava em baixa, despencou ainda mais. Dogly observava tudo com seu olhar solidário. Só havia roupas esquisitas. Prateleiras e mais prateleiras delas, cabides e mais cabides de trajes bizarros, montes de sapatos e bolsas excêntricas, sem mencionar o pior de tudo: os chapéus. Eu estava quase com trinta e três anos, velha demais para roupas daquele tipo. O que eu precisava mesmo era de uma promoção, porque quanto mais a gente sobe na cadeia alimentar, mais tem permissão para usar terninhos e roupas discretas.


PARA: aidan_maddox@yahoo.com 

DE: ajudante_do_magico@yahoo.com 

ASSUNTO: Garota excêntrica de volta ao trabalho

Traje de hoje: botas pretas de camurça, meias-arrastão cor-de-rosa, vestido vintage em crepe de Chine preto com bolinhas brancas, casaco rosa com mangas três quartos (também vintage) e bolsa em forma de borboleta. "Nenhum chapéu idiota?", ouço você perguntar. "Ah, mas claro que sim: boina preta colocada meio de lado." Resumindo: discreto demais, mas deve dar para o gasto no primeiro dia. 

Eu queria muito saber de você.

Sua gata Ana


Aidan sempre curtia meus uniformes de trabalho. O mais irônico da história é que ele tentava subverter seu armário conservador usando gravatas e meias coloridas — gravuras de Andy Warhol, rosas cor-de-rosa, super-heróis de desenhos animados —, enquanto eu ficava desesperada para usar roupas sóbrias e com um bom corte.

Aproveitando que estava on-line, tive uma ideia: ia ler o horóscopo de Aidan para ver se conseguia alguma pista de como ele poderia estar. O Stars Online dizia, para o signo de Escorpião:

Normalmente você aceita as mudanças com naturalidade, mas ultimamente sua vida foi inundada por uma série de eventos. Os momentos de clímax mais dramáticos para este mês acontecerão durante o eclipse da lua cheia, na quinta-feira. Até este dia, analise tudo com cautela, mas não feche compromissos.

Fiquei preocupada com a parte "sua vida foi inundada por uma série de eventos", me senti indefesa e logo depois zangada. Como preferia uma mensagem mais tranquilizadora, voltei duas telas e cliquei no Star Today.

O sol está Brilhando sobre a região do seu mapa que rege a autoindulgência. hoje você sentirá vontade de dar asas ao seu lado hedonista. Se o que você planeja estiver dentro da lei e não magoar ninguém, vá em frente e divirta-se!

Também não gostei dessa. Não queria que Aidan desse asas ao seu lado hedonista com nenhuma outra pessoa que não fosse eu. Cliquei no Hot Scopes!

Resista à tentação de ressuscitar antigos planos, relacionamentos ou paixões. Você está começando um novo ciclo e ao longo das próximas semanas receberá Inúmeras ofertas empolgantes.

Aqui, ó! Não queria que Aidan recebesse nenhum tipo de oferta empolgante na qual eu não estivesse envolvida. Resolvi desligar o computador, para não correr o risco de ficar ali o dia inteiro até aparecer um horóscopo que me fizesse sentir melhor. Deixei mais uma mensagem curta no celular dele e, finalmente, saí do apartamento. Ao pisar na calçada, percebi que meu corpo tremia todo. Não estava habituada a ir para o trabalho sozinha; Aidan e eu sempre pegávamos o metrô juntos — ele saltava na rua 34 e eu seguia até a 59. Puxa, será que Nova York era assim tão barulhenta antes? Todos aqueles carros buzinando, as pessoas berrando, os freios dos ônibus guinchando, e olhem que eu estava na Rua 12. Como ia ficar quando eu chegasse à parte mais movimentada da cidade? 

Comecei a caminhar na direção da estação do metrô, mas parei e refleti como seriam as coisas lá embaixo. Lances de escada para cima e para baixo por toda parte; meu joelho doía muito mais do que quando eu estava em Dublin. Eu só tinha tomado metade da dose normal dos remédios para cortar a dor, senão ia começar a cochilar no meio das reuniões. Foi um choque descobrir a quantidade de dor que eles cortavam.

Mas como é que eu iria chegar ao trabalho? Só a ideia de entrar em um táxi já me deixava toda encolhida de medo. Tinha conseguido andar em um deles para ir do aeroporto até em casa só porque Rachel estava comigo, mas me vi paralisada ao me imaginar sozinha dentro de um daqueles veículos amarelos. Grudada ao chão devido à indecisão, sem saída por nenhum dos lados, não importa para onde eu pulasse, analisei todas as minhas opções. Voltar para o apartamento e ficar o dia todo lá dentro, sozinha? Essa era a menos agradável.

Depois de ficar em pé ali na calçada nem sei por quanto tempo e de receber olhares curiosos dos transeuntes, me vi acenando para um táxi e entrando nele como se estivesse em transe ou num sonho. Será que eu conseguiria encarar aquilo? O medo era imenso; com os olhos semicerrados eu observava todos os outros carros; me encolhia de pavor sempre que algum veículo passava perto demais, como se o fato de avistá-los fosse o suficiente para impedir que encostassem em mim. De repente, com uma fisgada no peito, que quase fez meu coração para bater, vi Aidan. Ele estava sentado em um ônibus parado no ponto, numa esquina. Eu só o vi de lado, mas certamente era ele. Vi seus cabelos, suas maçãs do rosto salientes, seu nariz. Todos os ruídos da cidade desapareceram. Ficou só um zumbido abafado com um pouco de estática. Peguei o dinheiro e coloquei a mão no puxador da porta do táxi, pronta para saltar, mas nesse instante o ônibus seguiu em frente. Em pânico, me virei e fiquei olhando pela janela traseira. 

— Moço! — chamei o taxista, mas nós também estávamos em movimento e o ônibus já ia longe. Era tarde demais para fazer a volta e o tráfego que descia do centro estava muito engarrafado. Eu me apavorei: nunca conseguiria alcançá-lo. 

— Sim, senhorita? 

—... Nada, não. 

Comecei a tremer violentamente: foi um choque ver Aidan. Só que não fazia sentido ele estar dentro daquele ônibus. Ele estaria indo na direção errada, supondo que estivesse a caminho do trabalho. 

Não podia ser ele. Devia ter sido outro homem parecido com ele. Muito parecido. Mas e se fosse ele? E se aquela tivesse sido a minha única chance de encontrá-lo? 

Tem Alguém Aí? - Família Walsh Vol 4Onde histórias criam vida. Descubra agora