Capítulo 18

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Os seguranças não conseguiam acreditar que eu estava de volta. Nenhum empregado da McArthur on the Park ficara tanto tempo afastado do trabalho — aquilo nunca acontecera, para falar a verdade, nem por férias, nem por "ir para o Arizona", até porque as pessoas que "iam para o Arizona" não voltavam a trabalhar, porque eram demitidas... 

— Olha só, Morty, Anna, a garota irlandesa, está de volta. 

— É mesmo? Oi, garota irlandesa! Nós achamos que eles tivessem colocado você no olho da rua. Jesus, o que aconteceu com seu rosto? 

Eles ergueram o braço no ar e me cumprimentaram com uma mão espalmada contra a minha mão enfaixada, bem de levinho para não machucar. Acompanhei uma multidão que falava aos berros e caminhei rumo ao acesso aos elevadores, onde me apertei para entrar em um deles. As pessoas se esmagavam na caixa metálica como sardinhas em lata, cada uma segurando um copinho de café e evitando encarar as outras diretamente. 

No trigésimo oitavo andar, as portas se abriram com um sussurro. Lutei para chegar à porta e fui expelida lá de dentro como uma bola de pinball. O carpete de cor creme era espesso e macio. Até o ar cheirava a coisas caras e uma voz incorpórea disse: 

— Bem-vinda de volta, Anna. 

Quase pulei de susto. Era Lauryn Pike, minha gerente, com cara de quem estava ali desde a véspera, à minha espera. Com ar indeciso, esticou o braço como se fosse me tocar, movida por algum inesperado sentimento de compaixão, mas pensou melhor e recolheu a mão. Fiquei feliz com isso. Não queria ninguém me tocando. Não queria ser consolada. 

— Você parece ótima! — garantiu ela. — Está com uma cara descansada. E seu cabelo cresceu. E então?... Pronta para entrar em campo? 

Eu estava com uma aparência horrível, mas se ela reconhecesse isso teria de pegar leve comigo.


Muito bem, vamos falar de Lauryn. Ela é assustadoramente esquelética, está sempre com frio, tem os braços cabeludos e um casaquinho de lã marrom nojento e quase tão peludo quanto os braços. Ela usa o casaquinho no escritório o tempo todo, está sempre esgarçando-o e enrolando-o em volta do corpo subnutrido, em uma tentativa de se aquecer. Ela se irrita com uma intensidade quase demoníaca e tem olhos muito esbugalhados, como um mártir dos primeiros tempos cristãos. (Ou talvez tenha uma tireoide muito ativa.) Se eu fosse uma editora de revista de beleza e Lauryn viesse me fazer a apresentação de algum produto da Candy Grrrl, eu ia me esconder debaixo da mesa até ela ir embora. Apesar de seu aspecto aterrorizante, ela consegue montes de publicidade para os produtos. Faz o mesmo com os homens: apesar dos olhos esbugalhados, da magreza de Olívia Palito, dos cotovelos estilo maçaneta e dos joelhos em forma de calombo, os homens a levam para passar fins de semana nas ilhas. Vá entender!... (como se diz por aqui).

É realmente complicado entender esse fenômeno, porque o fato é que não é fácil encontrar homens decentes na cidade, mesmo para mulheres que não têm olhos esbugalhados. Nova York me faz lembrar bandos de mulheres maltrapilhas que se arrastam, errantes, em meio a fumaça, destruição, em um cenário urbano pós-apocalíptico, saqueando tudo quanto é lugar em busca das mínimas peças que possam ter alguma utilidade, como as pessoas no filme Mad Max eram obrigadas a fazer. E Lauryn nem é grande coisa como pessoa. O emprego é o maior foco de interesse em sua vida, e se mais alguém faz sucesso ela se sente como se tivesse falhado. Ela atirou uma garra Ia vazia de Snapple contra a parede, com toda a força, quando soube que o rimei Superlash, da Lancôme, apareceu em uma matéria da Lucky, exatamente no mesmo mês em que as vendas estavam cabeças a cabeça com o Flutter-by da Candy Grrrl.

De repente, fui tomada por um verdadeiro pânico de talvez não conseguir lidar com minha volta ao trabalho, mas, mesmo assim, respondi: 

— Estou nova em folha, Lauryn. 

Tem Alguém Aí? - Família Walsh Vol 4Onde histórias criam vida. Descubra agora