A madrugada estava mais do que corrida. O barulho que as pesadas botas de Helena faziam ao ir de um lado para o outro do enorme salão do bar não podiam ser ouvidos. As pessoas cantando no bar – porque de todos os tipos de bares era óbvio que ela trabalharia em um karaokê – pareciam soar ainda mais altas que o normal. Em todos os sentidos da palavra "alta".
Uma mesa composta por cinco homens a chamou pela quarta vez, e pela quarta vez ela o precisou ouvir uma cantada do loiro barbudo, seguida das várias risadas dos amigos. Ela respirou fundo, contou até cinco e saiu dali. Não, aquela mesa já havia dado tudo o que tinha que dar.
Entrou na cozinha bufando, sendo recebida pela risada de Juliano. Ele estava acostumado com essa cena; mais ou menos uma vez por semana Helena não aguentava mais atender os clientes e se refugiava na cozinha, onde sempre pedia para que ele lhe preparasse o mesmo drink.
— Uma caipirinha de pinga. Três quartos de pinga, por favor.
Beber no trabalho não era uma prática comum e nem encorajada, mas todo mundo sempre bebia. Às vezes tudo o que eles precisavam para aguentar algumas noites era um pouco de álcool no sangue. Helena só bebia quando o assédio se tornava insuportável e ela realmente precisava de algo que a relaxasse e não a deixasse socar alguns clientes.
— Qual foi dessa vez? Perguntou se você vem sempre aqui? Se seu número vinha com a comanda? — Juliano conseguia dividir a atenção entre Helena e a preparação das bebidas, o que ela achava realmente incrível.
— Se podia me pagar uma bebida. — ela revirou os olhos ao mesmo tempo que Juliano soltava uma risada realmente alta e lhe estendia um enorme copo de caipirinha.
O gosto amargo do Velho Barreiro, que todo o açúcar que Juliano havia colocado não havia sido o bastante para disfarçar, tomou conta de cada parte da boca de Helena, fazendo com que sua boca entortasse em uma estranha careta. Mesmo assim ela respirou fundo e sugou metade do conteúdo do copo em um gole.
— Sabe, Ju, é por isso que eu sempre digo que quando meu blog ficar bastante famoso–
— –você vai largar isso e se livrar de macho escroto. Mas secretamente você sabe que–
— –isso nunca vai acontecer. Não é álcool que deixa macho escroto. — os dois riram da frase que ela repetia absolutamente todas as semanas.
A risada de Helena durou muito menos que a de Juliano. Era sim uma piada, mas era mais uma daquelas com um fundo, um enorme fundo de verdade. Porque aquele ainda era seu sonho, um que às vezes ela não via como poderia virar realidade. Muitas pessoas já haviam conseguido aquilo, crescer com um simples blog na internet. Mas o problema era exatamente aquele: já haviam blogs demais. Quem garantiria que ela não seria apenas mais um na conta?
Mas aquele não era o momento para divagar sobre tudo o que ela não era. Gostando ou não, ela ainda era uma adulta que precisava pagar as contas, e aquele emprego ainda era a única maneira com a qual ela levava a vida. Por enquanto, pelo menos, ela teria que voltar para o salão, atender mais mesas com pessoas sem noção e fingir, por mais uma noite, que tudo estava bem.
***
Ela respirou fundo ao entrar em casa, sentindo o cheiro do produto que havia passado no chão no dia anterior. Ela sempre ajudava Thaís e Flávio nas tarefas domésticas, nada mais do que sua obrigação, claro – apesar de eles sempre repetirem que não havia necessidade, uma vez que trabalhar na parte da madrugada era sempre o horário mais cansativo. Mas se ela não fizesse nada, sua consciência ficaria como? Não, obrigada, ela já tinha muito no que pensar.
A primeira coisa que fez – após cumprimentar o casal, que já estava de saída – foi ir direto para baixo do chuveiro. Às vezes tudo o que ela mais precisava era um longo e quente, muito quente banho. A água quente ajudava a relaxar os músculos, deixando-a no melhor clima de sono, que a luz do sol entrando contra a janela jamais poderia permitir.
Sentindo o corpo mais pesado do que nunca, ela se arrastou até o quarto, jogando a toalha de qualquer jeito no chão – ela teria que colocar para lavar – e colocando uma calcinha qualquer e uma camiseta gigante que costumava ser de Juliano. Se jogou na cama como uma pedra, puxando o edredom por cima do corpo, deixando apenas os braços para fora, desbloqueando a tela do celular e vendo as novas mensagens. Tudo perfeitamente comum e esperado. Exceto que não.
A mensagem direta em seu twitter tinha como remetente tomholland1996, o que a fez sentar na cama de uma única vez, rápido o bastante para que um estalo de sua coluna fosse ouvido. Soltando um palavrão baixo, ela abriu a mensagem, sentindo as pontas dos dedos subitamente mais geladas.
"Eu sabia que você era engraçada, mas não havia imaginado que era a ponto de fazer meu melhor amigo falar de você o dia inteiro. Que tipo de bruxaria é essa?"
Uma outra mensagem com várias risadas havia sido enviada logo em seguida. Ok, era só uma brincadeira. Uma brincadeira e um meme. Ele estava sendo engraçado, fluído, sem preocupações. Diferente dela, que agora estava analisando cada palavra da mensagem, tentando enxergar uma piada escondida. Uma piada que obviamente não existia. Tudo o que ela precisava era de uma maneira para responder aquilo sem parecer tão desesperada quanto se sentia.
Por isso ela fechou o Twitter.
E abriu os contatos.
— Por que porras você 'tá me ligando, Helena? — a voz de Juliano do outro lado da linha parecia meio irritada. — A gente se viu faz menos de duas horas. O que você quer?
— O Tom Holland me mandou uma mensagem, Ju! No Twitter! Eu não sei o que fazer!
Silêncio. Não era exatamente o que Helena esperava do seu melhor amigo naquele momento, mas foi o que recebeu. Um longo, irritante período de silêncio.
— Quem é Tom Holland?
— Porra, Juliano. — ela virou os olhos, desacreditando na maneira como o rapaz mal prestava atenção no que ela falava. — Eu não calei a boca sobre ele por meses. O que veio pro Brasil. O novo Homem-Aranha.
— Ah tá. — o pouco caso que a voz de Juliano demonstrou quase fez com que Helena desligasse a ligação naquele momento. Pior. Amigo. — Por que ele te mandaria uma mensagem? Quer dizer, quem é você na fila do pão?
— Eu... Meu santo Odin, você é o pior amigo. Do mundo. De todos os mundos.
— Lena, eu 'to com sono. Eu não vou processar direito nada do que você disser nesse momento. E eu 'to com medo de acordar o Dênis. Hoje ele 'tá de folga e ele odeia acordar cedo na folga. E a última coisa que eu preciso é que meu namorado termine comigo e eu tenha que pagar o aluguel do AP sozinho. Então por favor, me liga depois?
— Mas... Eu preciso responder o Tom.
— Jesus-Maria-José. — Helena tinha certeza que Juliano estava apertando o nariz, se segurando para não subir o tom da própria voz e mandá-la para os piores lugares que palavrões permitiam. — Manda um emoji. Um meme. Risada. Nude.
— Não tem graça, Ju.
— Não era pra– Olha, faz assim. Se esse cara te mandou mensagem, alguma coisa você já fez certo. Só continua fazendo desse jeito que não tem como errar tão cedo.
Helena ponderou por alguns segundos. É, Juliano, mesmo mal humorado e com sono, não deixava de estar certo. Agradecendo o conselho, ela desligou o celular e voltou a abrir o twitter. Digitou mais ou menos treze versões diferentes da mesma mensagem, tentando se forçar a deixar perfeito, sem parecer a fã louca carente por atenção nem uma fria que claramente só quer fingir que não tá nem aí.
Às vezes ela odiava ser fangirl.
Mas finalmente conseguiu a versão perfeita de resposta para Tom. Em sua opinião, aquilo estava casual, amigável, engraçado. Era isso que ela estava se esforçando para ser na frente dele, certo? (A parte do "louca" acontecia sem querer). Era atrás disso que ele deveria estar, então era isso que ela iria oferecer.

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90 Por Cento [Tom Holland]
Fanfiction{CONCLUÍDA} Ela sempre precisava ficar lembrando a si mesma sua condição de fã. Ele sempre repetia a si mesmo que ela era só mais uma fã. A distância ajudava. Os sentimentos, não. ------------------------------------------------------------- IMPORTA...