2.

30.6K 2.6K 1.4K
                                    

A cabeça de Helena acertou o vidro do ônibus com força, o que a fez acordar assustada. Para sua sorte o ônibus sempre estava vazio naquele horário. Era a única vantagem de trabalhar de madrugada, na verdade, porque nem o tal "adicional noturno" o bar pagava.

Viu o cobrador rir, mas fingiu que não era dela. Os outros três passageiros do ônibus também parecia tirar um profundo cochilo. Era respirou fundo e esperou mais cinco minutos até se levantar e puxar o sinal. Enquanto caminhava até sua casa, encarou o céu, que aos poucos começava a clarear. No começo ela até gostava de ficar vendo o sol nascer, mas após cinco meses fazendo exatamente a mesma coisa, aquilo já havia perdido a graça.

Assim que entrou em casa e o celular encontrou o sinal do Wi-Fi, Helena sentiu-o começar a vibrar sem parar, recebendo de uma vez todas as mensagens que não recebia desde a noite anterior. Fingiu que não havia sentido nada, entrando na casa pela porta da cozinha e vendo o irmão e a cunhada sentados junto, tomando café da manhã.

— Bom dia, Lena. — o irmão abriu o sorriso quase igual ao dela.

— Oi, Flávio. Oi, Thaís. — ela sorriu para os dois. Era assim quase todo dia, ela chegando e eles se arrumando para ir trabalhar.

— Lena, quer tomar café da manhã conosco? — todos os dias Thaís oferecia.

— Não, obrigada. — todos os dias Helena negava. — Aliás, amanhã eu recebo, aí eu transfiro o dinheiro da internet e da água.

— Fica tranquila, Lena. A conta nem chegou ainda. — Thaís sorriu. Helena sempre pensava que havia tirado a sorte grande com a cunhada que tinha.

— A mãe chamou a gente pra almoçar lá no domingo.

— Domingo é o pior dia de todos. — ela coçou o olho. O sono estava aumentando apenas de pensar o tanto que trabalhava nas madrugadas de sábado para domingo.

— Eu sei. A gente pode inventar uma desculpa pra ela.

— Obrigada. — ela sorriu para o irmão. — Vou lá deitar. Bom trabalho pra vocês.

— Bom descanso.

Após entrar no quarto e fechar a porta, ela tirou o celular da bolsa e a jogou de qualquer jeito no chão, onde logo suas roupas também foram parar. Vestiu rapidamente o pijama antes de se jogar na cama, apreciando a maneira como o travesseiro se moldava no formato de sua cabeça. Aproveitou para se espreguiçar e ajeitar a coluna. Finalmente desbloqueou o celular.

Viu várias novas notificações, grande maioria da página do blog que ela cuidava com algumas amigas, que tratava dos mais diversos assuntos geeks. Helena sonhava com o dia em que o blog ficaria conhecido o bastante para que elas conseguissem algum dinheiro com isso e ela pudesse viver das colunas e resenhas que escrevia.

Após responder as mensagens que havia recebido, a última rede social que abriu foi, é claro, o Twitter, a que mais gostava. Este possuía apenas uma notificação, de um novo seguidor, jbatalon. Ela franziu a sobrancelha, entrando no perfil e levando um susto ao ver a quantidade de seguidores que ele possuía. J. Batalon... Ela conhecia aquele nome, não conhecia?

O último tweet do perfil, porém, fez seu coração acelerar. "Encontrei a garota dos 90%!". E ela com certeza não teria nenhum pensamento a mais se não fosse por uma resposta em destaque sobre aquele tweet. "Fuck you", diretamente do Twitter de Tom Holland.

Ele não poderia estar falando dela, é claro que não. Isso era apenas a mente criativa dela pensando de novo que ela havia feito qualquer diferença na vida de um ator internacional com suas piadinhas sem graça, quando ela sabia que aquela estava longe de ser a verdade.

É claro que às vezes ela recebia alguns likes do Tom, mas era apenas isso. E claro que muitas vezes ela respondia as coisas que ele tweetava mas nunca era respondida de volta. Fazendo um balanço geral, tê-lo como seguidor não havia feito tanta diferença em sua vida quanto ela gostaria.

Helena sabia também que poderia puxar assunto a qualquer momento, mas não tinha coragem. Acreditava fortemente em duas coisas: que ele realmente era uma pessoa muito ocupada e que ela realmente iria acabar incomodando-o. E a última coisa que ela queria era parecer uma fã desesperada, já estava velha demais para tanto.

Mas vendo aquele tweet de Jacob – ela finalmente havia lembrado quem era! – ela começou a se perguntar se por um acaso Tom havia comentado sobre ela com o amigo. Porque ela tinha a sensação que ela era mesmo a tal garota dos 90%, o que não a deixava em nada mais tranquila, afinal ela sabia exatamente o que aquele número significava. Ela realmente precisava de um lugar para enterrar a cara.

A decisão que ela tomou foi a de agir da maneira mais madura possível e fingir que estava tudo certo. Clicou no ícone para responder o tweet de Jacob e digitou rapidamente "Me pergunto quem é". Respirou fundo antes de desligar o Wi-Fi do celular e se virar para dormir. Era assim, não é? Eles queriam brincar? Então ela iria brincar.

90 Por Cento [Tom Holland]Onde histórias criam vida. Descubra agora